TEMA

Martinho da Vila

Gostei muito do trocadilho Martinho da Vida. Realmente vem a combinar com a representatividade deste ser humano em relação ao que se define como brasileiro. Surge para o Brasil como sambista, no final da década de 1960, e aliado a isto desenvolve seus trabalhos como escritor de enredos para a escola de samba a qual ele adotou como sobrenome, Unidos de Vila Isabel. É notório que na criação deste autor há algo diferente do habitual, e cai nas graças dos críticos, além da consagração junto ao povo.

Este diferencial pode ser identificado a começar pelo título de seu primeiro álbum: Nem todo crioulo é doido. Onde já retrata a sua condição de afro descendente, termo inexistente naquela época. Como crioulo revela sua situação de ausência na perspectiva do mundo branco e também do mundo negro, não sendo nem um, nem outro. A mais pura síntese de brasilidade, então pouco discutida. A loucura do crioulo nascido no Brasil destes antigos tempos é a de não se ver africano, tampouco europeu. E Martinho da Vila mostrou que a loucura findaria ao perceber-se brasileiro.

A grande guinada criativa na carreira ocorre quando decide passar uns tempos em Angola, buscando pela origem, pelos costumes ancestrais que formaram as características básicas dos crioulos brasileiros. Nesta fase desenvolve o gosto pela política e produz vários livros temáticos a respeito do painel que desenhou pesquisando África, Brasil e até mesmo a Europa. O resultado deste estudo é uma transposição de conceitos africanos aos brasileiros de forma a personificar elementos tipicamente produzidos pelos afro descendentes brasileiros. Notadamente no livro: Kizombas, Andanças e Festanças.

Martinho sempre deixou claro que tudo que fez foi meio intuitivo, sem premeditar sobre o que iria gerar. Assim ele seguiu pela vida e beirando os oitenta anos decidiu expandir seus conhecimentos políticos e culturais. Cursou e formou-se em Relações Exteriores, vivenciando o que diz uma de suas próprias músicas: O pequeno burguês. Desta vez não retratou, mas tornou-se um exemplo vivo, não de crioulo, mas agora, de um brasileiro, que demonstra o quanto é possível viver com grande dignidade, até mesmo durante a velhice. Desta forma Martinho deixa definitivamente de ser da Vila e passa verdadeiramente a ser da Vida.

Autor: Arnold Gonçalves


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