TEMA

Vida de suburbano

Curtia mais um chá de banco dentro de um ônibus elétrico da década de trinta, daqueles que só andam ligados num par de fios, onde as pombas costumam tirar uma cochilada quando cansam de cagar sobre nossas cabeças.
Vagarosamente ele subia pela rua Augusta. Muitos tipos estranhos iam adentrando no imundo veiculo; granfinas que subiam num ponto e desciam no outro; boys que mal entravam e já iam se instalando nos bancos próximos da porta para mais tarde poderem sair sem pagar com facilidade. Havia também os baianos, peões com eu, que iriam sofrer no aperto do busão até chegar ao largo da Concórdia e pegar o trem rumo a Ferraz de Vasconcelos.
Muitas horas passariam até que o bus chegasse à tal estação ferroviária do Brás, muitas mulheres passariam mal, outros discutiriam por um lugarzinho no banco dos bobos, alguns se molhariam na hora da chuva, porque a canaleta da janela destes ônibus velhos só servem para jogar água para dentro, mas a maioria, como eu, dormiria em pé ou sentado até a hora de descer.
O treme terra estava super lotado como sempre, e tive que passar metade da viagem pendurado na porta do primeiro vagão, pois os de trás eram sempre cheio de trombadões, e por lá ficava perigoso após passar Itaquera, porque esvaziava e aí era a hora dos malandros. Ferraz de Vasconcelos era meu destino, cidade moderna, projetada para os pobres de São Paulo ficarem bem longe. Meu vagão só iria esvaziar duas estações antes, em Guaianazes, enquanto isso, esticava meu pescoço para fora do carro na esperança de localizar os vândalos da Cohab Itaquera, antes que começassem seu ataque diário ao trem na base de pedradas. O dia parecia interminável, particularmente neste fim de tarde, mas para falar a verdade, eu já estou acostumado, pois toda vida de suburbano tem algumas desvantagens.
Obs. Este texto foi escrito em 1983. Vejam que muito pouca coisa mudou. Se você for até a rua Augusta nas proximidades da esquina com a rua Estados Unidos irá encontrar este mesmo ônibus velho circulando com destino ao largo da Concórdia. Muito provavelmente ele estará cheio por volta das 17:30 de um dia de meio de semana. A única coisa que mudou é que antes entrava pela porta traseira e agora entra pela dianteira, isso deve ter sido mudado por conta do grande número de pessoas que desciam sem pagar. Também porque fazia a maior confusão ao lado do motorista na hora de descer. Quanto ao trem, talvez não se atire pedras contra eles na região de Itaquera como ocorria naquele tempo, talvez não aconteçam tantos assaltos dentro dos vagões como antes, nem na “saidinha” de estação, mas não sei não... E Itaquera, Guaianazes, Ferraz de Vasconcelos... Não quero comentar.

Autor: Arnold Gonçalves


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