Pergunta: Tem como escandir o poema "A avenida das lágrimas"?

Falando como poeta e não como professor, penso que qualquer texto literário, e particularmente a poesia, não é passível de interpretação, mas sim de interpretações. Isso porque a interpretação de uma produção literária é totalmente pessoal, de acordo com o conhecimento e experiências pessoais de quem interpreta. É comum vermos autores declarando que quiseram dizer uma coisa em seu texto, mas este mesmo texto foi um sucesso total entendido de outra maneira completamente diferente. Você poderia dizer então que há uma interpretação predominante... Sim, mas é uma interpretação imposta por algum poder predominante, que certamente usa esta interpretação a seu favor, imputando formas de pensar e agir ao leitor. Sendo assim, a melhor interpretação de um texto para nós, é aquela que nós mesmos fazemos. Pegue um dicionário e confira os significados das palavras que você não conhece, e mesmo das que pensa conhecer, pois será surpreendido com a variação de significados das palavras. No início será difícil, como tudo que começa o é, mas com o passar do tempo você verá que estará conhecendo-se cada vez mais a cada texto interpretado, e assim, mais apto a interpretar outros textos, pois o texto verdadeiramente literário visa fazer você se entender melhor.

Quanto a Bilac, bem, ele não está mais vivo para dizer sobre o que escreveu, embora tenham aparecido alguns textos psicografados atribuídos a ele. Para começar sua interpretação, tome alguns pontos de partida que penso ter fundamento. Avenida=vida; lágrimas=sofrimento; poeta=ser humano; morto=fatalidade; primeira vez/lira acordou=início do mundo/início da vida humana; ansioso/queixume/mágoa=lamento/frustração; dolorosa/saudade/procissão/órfão=doença/sofrimento/morte/ausência; encerra/imortalizará/purificou/deixou=final sofrimento/libertação/alivio/felicidade.

A Avenida das Lágrimas 

A um Poeta morto.

Quando a primeira vez a harmonia secreta
De uma lira acordou, gemendo, a terra inteira,
- Dentro do coração do primeiro poeta
Desabrochou a flor da lágrima primeira.

E o poeta sentiu os olhos rasos de água;
Subiu-lhe â boca, ansioso, o primeiro queixume:
Tinha nascido a flor da Paixão e da Mágoa,
Que possui, como a rosa, espinhos e perfume.

E na terra, por onde o sonhador passava,
Ia a roxa corola espalhando as sementes:
De modo que, a brilhar, pelo solo ficava
Uma vegetação de lágrimas ardentes.

Foi assim que se fez a Via Dolorosa,
A avenida ensombrada e triste da Saudade,
Onde se arrasta, à noite, a procissão chorosa
Dos órfãos do carinho e da felicidade.

Recalcando no peito os gritos e os soluços,
Tu conheceste bem essa longa avenida,
- Tu que, chorando em vão, te esfalfaste, de bruços,
Para, infeliz, galgar o Calvário da Vida.

Teu pé também deixou um sinal neste solo;
Também por este solo arrastaste o teu manto...
E, ó Musa, a harpa infeliz que sustinhas ao colo,
Passou para outras mãos, molhou-se de outro pranto.

Mas tua alma ficou, livre da desventura,
Docemente sonhando, as delícias da lua:
Entre as flores, agora, uma outra flor fulgura,
Guardando na corola uma lembrança tua...

O aroma dessa flor, que o teu martírio encerra,
Se imortalizará, pelas almas disperso:
- Porque purificou a torpeza da terra
Quem deixou sobre a terra uma lágrima e um verso.

Olavo Bilac
           


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