Não é novidade dizer-se que a Faculdade de Letras está em crise. É uma crise antiga e de certa maneira permanente. O curso superior de Letras foi fundado para ministrar um tipo de saber que se tornava, na época, indispensável, mas que não cabia nas Faculdades já existentes, que formavam profissionais pedidos pela sociedade, como Medicina, Direito (onde se formavam os juristas para a administração e para o sistema contratual), ou a escola politécnica (para engenheiros, etc.). Estes ramos do saber, que se impuseram no século XIX (como a Literatura, a Filosofia, a História) não tinham, todavia, destino produtivo ou administrativo. E por isso o curso superior de Letras (que se continuou e multiplicou depois nas Faculdades de Letras) não era uma escola de formação profissional. Tinha dois destinos possíveis: um, o exercício e desenvolvimento dos próprios ramos de saber que ministram, outro, o seu ensino e divulgação em escolas médias pré-universitárias que eram os liceus. Na primeira hipótese seria uma escola de saber livre e de investigação; na outra, uma escola de formação profissional de professores. Quanto ao saber livre e à investigação nunca foi tomada a sério entre nós, especialmente neste campo das Letras, salvo por uma elite extremamente reduzida e marginalizada. Numa sociedade de baixo nível cultural e tecnológico e de baixo rendimento produtivo a generalidade da gente não compreende a necessidade do saber livre, sem aplicação imediata. Não há investigação no campo chamado das "Letras" pela mesma razão por que não há jardins urbanos ou porque não há música de câmara. Nos países tecnologicamente atrasados reina a superstição do produtivismo. Acresce que por razões talvez ocasionais e coincidentes, o nível dos mestres das faculdades de Letras nunca foi elevado. E assim a Faculdade de Letras se petrificou pouco a pouco numa escola de formação de professores de Letras. Mas ela não ministra qualquer formação especificamente pedagógica e didática; nem por outro lado seleciona à entrada os candidatos segundo a sua vocação pedagógica. Tornou-se numa fábrica de professores que não sabem, e muitas vezes não gostam de ensinar. A Faculdade de Letras só serve para ser professor, e não serve para ser professor. Não é nem deixa de ser uma escola profissional. Assim se compreende a tentação de a substituir por uma verdadeira escola profissional de professores. Mas esta solução acarretaria a destruição das poucas possibilidades de investigação e de livre especulação.
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