Pergunta: Como funciona o mercado de livros?

Como as editoras se comportam neste segmento? Elas dependem das escolas. Nenhuma sobrevive vendendo livros juvenis em livrarias, porque os jovens no nosso país não lêem. A minoria abastada, que aprendeu o hábito de leitura em casa, lê. Mas é minoria. A massa, a grande consumidora de livros juvenis, são os alunos das escolas públicas e particulares do Brasil. Esses jovens lêem os livros adotados pelos professores deles, o "livro que a professora mandou ler". É dessa venda que as editoras sobrevivem nesse segmento.
O grande comprador de livros juvenis é o governo. Ele adquire tiragens grandes de determinados títulos para distribuí-los nas escolas públicas. Por isso as editoras se matam de tanto trabalhar quando surgem programas de governo, porque esta é a oportunidade de vender. Elas precisam ganhar a concorrência com outras editoras.
Não são todos os títulos do catálogo que o governo compra. São alguns. Os outros é preciso divulgar nas escolas. As editoras grandes têm equipes de divulgadores pelo Brasil que visitam escolas, conversam com professores, distribuem catálogos, enfim, fazem esse trabalho de formiguinha para conseguir que o livro seja adotado. É da adoção em escolas que o segmento juvenil sobrevive. A exceção é Harry Potter e Deltora Quest, livros traduzidos e com forte apelo comercial.
Outra coisa a ser considerada: livros são caros. A maioria dos alunos não pode dispender muito mais que R$ 25 em um livro paradidático, como chamamos os de literatura juvenil. Então, a maioria dos livros para essa faixa etária não pode ser caro, nem é colorido (o que encarece a impressão). O que eles precisam ter é material de apoio ao professor, encarte para o professor, suplemento de leitura para o aluno.
Infelizmente, os professores querem receber tudo mastigado, não querem ter trabalho. Há aqueles que adotam um título sem sequer tê-lo lido. É uma realidade avassaladoramente triste.
Você conhece bem a realidade do ensino no Brasil. Desnecessário eu dizer qualquer coisa. Então, livros mais complexos, literatura de verdade, com trabalho de linguagem, bem escrito, com enredo que exige mais do leitor, que requer que ele interprete, esses não têm apelo junto às escolas. Porque nem professores nem alunos estão prontos para trabalhá-los. Os livros juvenis mais vendidos, pode comprovar, beiram o óbvio e não requerem grandes esforços dos leitores em questões mais complexas. Eles precisam abordar os "temas transversais" impostos pelos professores (Meio ambiente, Pluralidade cultural, Trabalho e consumo, Ética, Orientação Sexual e Saúde). Aliás, esses mesmos professores escolhem livros por esses temas, sabia? Os autores "escolados" no ramo juvenil já escrevem pensando nisso. Afastam-se, a meu ver, cada vez mais da literatura.
É assim que as editoras grandes vêem os livros juvenis. Seu livro pode ser maravilhoso. Mas as editoras precisam levar em conta as chances de ele ser adotado em escolas. Não adianta você colocá-lo em destaque na prateleira da livraria. Não adianta colocá-lo nos sites de venda online. Se quiser vender para leitores fora da escola, precisa de muito marketing, precisa se fazer aparecer, o que não acontece apenas estando na livraria. Você precisa conquistar os professores, porque, no Brasil, é só por meio deles que o livro chega aos jovens.
Entre em uma livraria grande. Na parte de infantis, você vê crianças folheando livros. Procure adolescentes. Veja se você encontra algum folheando algum livro. Você encontra adultos e crianças. Aliás, vou além: procure nas grandes livrarias uma seção destinada aos jovens. Não existe.
Os livros juvenis estão na mesma seção dos infantis! Neste país, jovens leitores não freqüentam livrarias. Os próprios livreiros não colocam muitos títulos juvenis nas lojas. Colocam os mais vendidos e olhe lá.
O que funciona para vender fora da escola? Propaganda boca a boca. Foi assim com Harry Potter, foi assim com Poderosa, foi assim com Desventuras em série e por aí vai.
Então, quando uma editora avalia o seu livro, independentemente da excelente literatura que ele carrega, do projeto gráfico legal e da originalidade da abordagem, seu livro precisa ter perfil para adoção em escolas, para compra pelo governo. A produção que ele requer precisa culminar em um produto com preço acessível. Ele não pode ter um número grande de páginas. Essa é a realidade do país, não adianta fugirmos dela.
Um lançamento de autor consagrado no ramo juvenil tem tiragem de 5000 exemplares. Desses, 2000 são distribuídos aos professores. Sim, de graça. A editora PAGA para eles conhecerem o livro. Ela tira do próprio bolso visando uma adoção futura. Apenas 3000 vão ser destinados à venda. É absurdo, mas é assim.
Outra coisa que também está condicionada à realidade do país: a economia não deixa as editoras ousarem, porque livro não é produto de primeira necessidade no Brasil. Na primeira crise, as pessoas deixam de consumir livros. Ela consomem comida, roupa, mas não livros. Isso impede as grandes editoras de "experimentar" o mercado, aquela coisa do "vamos ver no que vai dar, estamos arriscando essa novidade". Elas têm a fórmula de como funciona, de como vende. Se está dando certo assim, por que colocar tudo a perder? Entende?
Quando avaliamos um original lá na editora e o aprovamos para publicação, seja ele qual for e de que autor for, novato ou figurão, é feito um projeto de investimento junto com uma pesquisa de mercado. A gente analisa a concorrência, vê se tem espaço no mercado para esse título, o que ele tem de diferente etc.
É feito um estudo estimando quanto a editora gastará para produzir, imprimir e distribuir o livro. Esse projeto é apresentado à diretoria, e é ela quem decide se o título vai ou não ser publicado. Nesse estudo, é colocada uma previsão de quando o livro vai começar a dar lucro, porque a primeira edição SEMPRE é prejuízo. É investimento. A editora começa a lucrar na terceira edição, se tiver sorte de o título chegar lá.
Se o título não atingir o que o projeto previa, o editor precisa se explicar. Ele precisa dar um jeito de fazer aquele livro dar lucro ou precisa lançar algum outro que compense esse prejuízo.
As coisas não são tão simples como parecem. As editoras não são gráficas. Elas editam. Há pessoal que está sendo pago para ler, avaliar, ilustrar, diagramar, revisar e editar o livro. São meses de preparo antes de o livro sair impresso. O autor não paga um tostão.
Assim, as pessoas têm uma Ideia errônea das editoras. Acham que elas estão de má vontade, mas não é assim.
Eu trabalho em uma grande editora e asseguro a você que NENHUM original que recebemos é jogado fora. Nós devolvemos TODOS sempre que possível. Ainda que seja cópia. Nós escrevemos uma carta explicando o motivo da recusa e devolvemos os originais. Não incineramos nada. Não vendemos aquele monte de papel como aparas.
Por que não recebemos CDs? Porque imagine você se cada pessoa do Brasil que decide enviar um original a nós o faça com CD e não em papel... Nós não lemos no computador. Os livros são enviados a pareceristas, são lidos por vários avaliadores, e isso precisa ser feito em papel. A editora não pode imprimir cada disquete, cada CD que ela recebe, do contrário não faria mais nada além de imprimir o dia todo.
Tudo isso dificulta muito a entrada de novos autores no mercado. O nicho que você escolheu, o juvenil, tem esse senão da adoção escolar.
Isso, aqui no Brasil, porque nosso país é deficiente em educação e cultura, as pessoas não têm hábito de leitura e são analfabetas funcionais, não entendem o que lêem.
Talvez esteja aí a sua dificuldade em conseguir que seu livro seja publicado por uma editora.
Vá a uma livraria. Folheie os livros juvenis. Olhe as principais coleções de cada editora (dificilmente as editoras publicam livros avulsos de literatura juvenil, fora de coleções). Isso também conta. Seu livro é que tem de se adequar aos catálogos das editoras, não o contrário. Ninguém vai criar uma nova coleção por sua causa, por melhor que o seu livro seja.
Esse é o erro dos autores. Eles acreditam tanto no produto que criaram (com razão, claro!) que se esquecem de que: 1) não são os únicos a apresentarem originais às editoras, elas recebem quase uma centena por mês; 2) eles é que precisam das editoras, não elas deles; então, eles é que precisam se adequar, não o contrário; 3) não há demanda suficiente para a quantidade de livros bons que as editoras recebem para publicar. Não adianta lançar um monte de títulos se eles não saem dos estoques; 4) livro caro não vende muito; 5) livro muito grosso assusta os jovens leitores e são caros de produzir, o que, conseqüentemente, se reflete no preço final do produto.
Eu falo tudo isso com uma tristeza profunda, acredite. Eu sou formada em Letras, eu amo a literatura de verdade, embora eu ajude a produzir, na maioria das vezes, uma literatura medíocre. Porque o país é medíocre. Essa é a realidade, volto a afirmar. Não adianta sermos utópicos, sonharmos com jovens devorando livros. Eles devoram a mídia (o Harry Potter, p. ex.). Muitos dos que compraram Harry Potter sequer o leram.
Das duas, uma: ou você analisa bem como o mercado funciona e adequa o seu livro a ele (ou mesmo o adapta ou escreve outro que se encaixe no que expus); ou vai viver nessa luta insana, remando contra uma maré violenta.
Dificilmente alguma editora vai se comprometer a publicar a trilogia inteira. Ela vai publicar um livro só. Ele precisa dar muito, mas muito certo para, aí sim, a editora publicar o segundo volume. Trilogias não se enquadram em coleções. Isso é outro problema. Como eu disse, é difícil abrir espaço no catálogo para títulos avulsos. E, pelo que percebi, seu livro é literatura pra valer, trabalha o texto em sua estrutura profunda. Isso restringe o público-alvo. Outro problema.
Veja, quero que entenda que não estou aqui defendendo as editoras. Eu estou tentando mostrar a você a realidade. Quando digo "isso é um problema", não quero dizer que o seu livro seja um problema. Não. O problema é o mercado. Ele é que é impositivo.
Avalie bem o seu livro como PRODUTO, não como sua criação. Se, ainda assim, você achar que ele satisfaz todos os senões que expliquei a você, então você pode me mandar seu livro, que ficarei feliz em dar meu parecer.
Em relação ao apadrinhamento, isso existe, sim, infelizmente. Não é tão freqüente e não ocorre muito no segmento juvenil, mais eu já presenciei alguns casos. O livro empaca no estoque do mesmo jeito. O pseudo-autor que teve de se valer desse artifício só queria mesmo era publicar por publicar, sem compromisso nenhum com a cultura, com a educação, com a literatura. Só status, só para dizer que já escreveu um livro. Para quem produz literatura de verdade, isso não basta, acredito eu.

Fonte: opiario.livejournal.com


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