Baseada no blogue homónimo do Autor, a obra nasce a partir do desafio lançado pelas pessoas afectivamente mais próximas de José Saramago, lançado durante o período de convalescença após o colapso sofrido em 2007.
Os textos deste diário on-line debruçam-se sobre acontecimentos da actualidade nacional e internacional, ocorridos entre Setembro de 2008 e Março de 2009.
A produção literária e o exercício da escrita desenrolam-se neste caso, numa vertente diferente da habitual constituindo uma estreia para o Autor que inicia com este “Caderno” os primeiros passos na blogosfera. A narrativa adquire assim a forma de um monólogo, ou melhor, um recurso de estilo que reflecte um diálogo imaginário com os leitores, adequando-se como uma luva à forma mais revolucionária de comunicação com público, ocorrida na última década.
Desta forma, as palavras chave presentes nos textos do blogue de José Saramago, transformadas em livro, cujos textos são, na quase totalidade constituídos por artigos de opinião, compreendem: uma visão crítica do capitalismo, quando assume a vertente predatória, assente na especulação financeira e no sangramento do s recursos económicos das famílias; na avidez que quando leva ao entesouramento sem ter em vista o investimento direccionado para o bem de todos ou, pelo menos, para a maioria dos cidadãos; Saramago ocupa-se ainda em conduzir a dissecação dos pontos débeis da economia do país e também a nível internacional ao expor contradições de teor geo-político, sobretudo no que toca à hipocrisia de alguns chefes de estado mais influentes, dirigindo as frases mais virulentas à questão do Próximo Oriente e ao teor da aliança político-económica entre os Estados Unidos e Israel.
É também abordada a questão das fragilidades do sistema Democrático, sobretudo quando desvirtuada pela concentração excessiva de poder num único órgão governamental, salientando o caso de Itália e Berlusconi como um dos casos mais inquietantes da Europa.
José Saramago não deixa, também de frisar, num discurso muitas vezes imbuído de paixão indignada o problema da imigração clandestina na Europa e da forma como esta questão tem vindo a ser encarada por alguns chefes de estado europeus ao chamar a atenção para a crise de valores e para a crescente subvalorização do humanismo que grassa nas instituições nos dias de hoje, fruto da burocratização e da ênfase colocada no sistema judicial na letra da lei sem se reportar à sua essência – o espírito da lei –, que conduz a uma maior aproximação ao ideal de Justiça assente num sincretismo ideológico hegel-kantiano.
Aponta situações onde o primado do interesse e da practicidade permitem o triunfo do oportunismo traduzido em atitudes de “salve-se quem puder” cada vez mais presente no quotidiano e do individualismo excessivo daqueles de quem José Cardoso Pires dizia que “Só olham para o próprio umbigo” (in Lavagante). As preocupações de José Saramago centram-se assim na tendência crescente para a erradicação da palavra “ética” ou “moral” do léxico da maior parte dos cidadãos que leva a um dos muitos tipos de cegueira colectiva.
Os temas fortes, são o Direito à Liberdade de expressão, os direitos humanos, o prazer da escrita, as viagens e a divulgação dos livros, seus e não só, homenagem a escritores, poetas e cientistas que se destacam pelo contributo prestado à humanidade, sobretudo na questão da cidadania.
O teor da obra é, muitas vezes, virulento e impiedoso, no entanto está presente a lucidez decorrente da análise das situações caso a caso. Saramago não cai no erro de confundir George W. Bush com Barak Obama, tal como a posição que sustenta face à actuação do governo israelita na questão palestiniana, não toldar a visão acerca dos acontecimentos históricos ocorridos na Europa do século vinte, conseguindo distinguir na perfeição a geração do povo judeu contemporâneo de Irene Nemiróvsky face aos apoiantes da política levada a cabo na actualidade naquele país, de carácter expansionista, pela insanidade obsessiva em manter os territórios do estado judaico no tempo de Adriano.
Saramago não vem trazer a paz (essa é a missão do outro Prémio Nobel) mas a divisão de opiniões, assente na discussão e debate necessários num estado democrático onde somente deve ser proibida a existência de temas-tabu, a expulsar o obscurantismo e a ausência de espírito crítico ao assumir uma postura, para alguns arrogante, para muitos outros anti-conformista. Uma obra que expressa o desejo de lucidez a expulsar a cegueira de espírito, numa perspectiva, iluminista muito ao gosto de Voltaire, vertendo para o Século das Luzes para os nossos dias.
|