A vida de Luiz Nicolau Fagundes Varela pode ser resumida nesta simples frase: "foi poeta e nada mais e nada mais poderia ser". Raramente encontraremos na literatura brasileira alguém tão desprendido das glórias terrenas. "Chegara a atravessar as lamas, escreve o grande amigo que foi José Ferreira de Menezes, "mas conservara sempre erguida a inteligência, não a maculara de infâmia alguma, não a vendera, nem o estro caucionou jamais em nenhum balcão social". Nascido a 17 de agosto de 1841, na Fazenda Santa Rita, município de Rio Claro, na então província do Rio de Janeiro, Fagundes Varela teve a infância marcada pela esplêndida natureza que o cercava.
A paisagem de Rio Claro constitui, em verdade, encantador painel. O menino não mais se esqueceria desses quadros que a sua sensibilidade apurada e receptiva como poucas cristalizará futuramente em algumas páginas do mais puro lirismo, da mais doce nostalgia. Aos. dez anos de idade, as obrigações do pai, nomeado juiz de Direito em Catalão, Goiás. obrigam-no a abandonar não só o conforto do lar para um longo exílio em terras estranhas; como também tudo aquilo que constituíra até então sua razão de ser, os motivos do seu enlevo, da sua alegria calma e despreocupada. Somente na infância as emoções são profundas e eternas. O menino que em companhia do pai seguiu para a distante Catalão, voltaria outro. Mais sensível, mais calado, mais interiorizado. Ao regressar quase não é reconhecido pelas irmãzinhas, companheiras de folguedos. Estava, porém, escrito que sua vida seria marcada pela instabilidade. O oficio paterno não permitia residências estáveis.
Petrópolis, São João Marcos, Rio Claro, Angra dos Reis, Niterói, são lugares que viram o menino transformar-se num rapazola louro e estranho. Ao completar 18 anos, Fagundes Varela, já um adolescente inquieto e diferente de todos os outros rapazes da sua idade. Entregara-se, embora contra a vontade dos mestres, ao cultivo do verso. Os cadernos escolares vivem repletos de tentativas poéticas. Pastiches, sobretudo de Camões, marcam estas primícias poéticas. que infelizmente não chegaram até nós.
Seguindo a tradição da família, embarca pa-ra São Paulo, com o intuito de concluir os preparatórios e matricular-se na Faculdade de direito. Seu destino, a bem dizer, estava traçado desde o berço. Concluiria os estudos secundários e depois a carreira jurídica abrir-se-ia promissora e confortável. Advogado ou juiz, promotor ou alto funcionaria do Estado, enfim, uma posição qualquer na vida que justificasse os cinco anos de estudos e permitisse vida isenta de graves preocupações financeiras. Assim pensavam todos os seus Mas este estudante não estava disposto a seguir a rotina. Mal chegado à Paulicéia, conquistou logo a faculdade, e com ela os estudantes. Não pelo brilho do seu saber, revelado nos exames, mas sim pela excentricidade de suas atitudes.
Contavam que na prova de francês lhe fora designado um trecho de poesia, que ele imediatamente vertera em excelentes versos .portugueses, ou então que, ao ser examinado em geometria, levantara-se antes do prazo marcado. para a prova, entregando à banca examinadora uma ode em latim, à Euripedes, além de algumas considerações sobre os escritores romanos, concluindo por afirmar que Juvenal nunca prestara exames, etc.. Verdade ou lenda, o certo é que poucos meses depois o rapazola louro e tímido atrai as atenções das repúblicas e da cidade. Torna-se amante da mais famosa mundana da época Ritinha Sorocabana. Dedica-lhe apaixonados e quentes versos de amor. Provoca escândalos. Endivida-se. Ganha fama como boêmio. É a figura principal das serenatas que enchem a pacata cidade de S. Paulo.
Ainda não se matriculara na Faculdade, mas já faz parte de todos os clubes e sociedades literárias. Colabora, também, nos principais jornais. Os amigos insistem para que reuna os versos em livro. Ao publicar "Noturnas" no ano de 1861. está próximo de um passo decisivo, de um passo que lhe acarretará tristes conseqüências. Acontece que viera a S. Paulo o "Circo Equestre e Ginástico Luande". E o poeta se apaixonara pela filha do diretor, a gentil Alice. Ainda é menor de idade, mas, forçando o consentimento paterno, casa-se, depois de uma série de peripécias. Um ano depois, o nascimento do primeiro filho parece que vai regenerá-lo. Mas as tristes circunstâncias que cercaram o parto de Alice, impedem que o fruto dessa paixão cresça e se torne "as esperanças do pai". Emiliano morre com três meses e idade. O poeta escreve então o "Cântico do Calvário" incontestavelmente o seu mais. alto momento poético. Não consegue ser mais aquele despreocupado e maluco boêmio do passado.
O remorso fustiga-o. Amargoso arrependimentos transformam o seu modo de vida. É tarde, porém. Nada mais lhe resta. Sente-se um ser inútil, vencido. A conselhos do pai; abandona São Paulo, seguindo para Recife, onde conta termi-nar o curso de direito. Deixa a mulher com os seus, na fazenda Sta. Rita. Está em Recife. novamente entregue à mais desregrada existência, quando lhe chega a notícia do falecimento de Alice. Abandona tudo, voltando a casa paterna. Durante ó resto da vida vagará errante e solitário, entregue ao álcool, pela província do Rio de Janeiro Nem mesmo um segundo casamento - provocado pela mãe, com a nobre intenção de dar-lhe novos alentos - consegue alterar a triste existência a que se entregara. Dominado pelo álcool, consome os últimos anos de vida, completamente desinteressado e desleixado, vindo a falecer em Niterói a 18 de fevereiro de 1875, vítima de uma apoplexia cerebral.
Vítima autêntica de leituras mal interpretadas e de um meio condescendente, quando não estimulador, Fagundes Varela, alma ingênua e facilmente levada pelas primeiras impressões, seguiu desde cedo a estrada do vício. Quando quis abandoná-la, era tarde. Fatalista, resignou-se. E, contudo, altamente lisonjeiro para o seu caráter, a força de vontade tantas vezes empregada força de vontade e persistência férrea, que lhe permitiram a intensa produção poética; quando todas as aparências levavam a supô-lo incapacitado para qualquer esforço intelectual. Causa espanto, realmente, verificar o acervo e a qualidade das suas produções.
Carregando sobre os ombros a responsabilidade da poesia nacional, no decênio que vai de 1860 a 1870, Fagundes Varela deixou uma obra - irregular, é verdade - mas a altura dos românticos que o precederam e antecederam.
Fonte: www.omaldoseculo.hpg.ig.com.br
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