O (quase) silêncio do vampiro

Uma perversa — mas também instigante — dúvida paira sobre a cabeça de quem tenta entender o silêncio de Dalton Trevisan. Os críticos, claro, sempre preferem a saída utilizada pelo próprio autor, que em poucas palavras acaba com qualquer discussão ou teoria conspiratória: tudo que o escritor tem para falar está em seus livros. No entanto, mentes mais desconfiadas volta e meia especulam sobre a possibilidade de uma mise-en-scéne por parte do autor em busca não de Curitiba perdida, mas de publicidade. O que as longas décadas de silêncio tratam de desmentir.
Por um tempo, o escritor chegou a distribuir um press-release aos jornalistas que tentavam quebrar o seu silêncio. No documento, Dalton se antecipava às perguntas que certamente teria de responder, caso se submetesse a entrevistas. No mesmo estilo minimalista de seus contos, o escritor elencava seus até então 15 livros e imprimia frases que entrariam para o anedotário que o cerca. “Nada tem a dizer fora dos livros. Só a obra interessa, o autor não vale o personagem. O conto é sempre melhor do que o contista.” Dalton criava ali o mantra que seria evocado toda vez que algum desavisado fosse lhe importunar. Sobre de onde surgem as infinitas histórias de Joões e Marias, confidenciava: “Notícia policial, frase no ar. Bula de remédio, pequeno anúncio, bilhete suicida, o seu fantasma no sótão, confidência de amigo, a leitura de clássicos, etc. O que não lhe contam, escuta atrás da porta. Adivinha o que não sabe — e com sorte você descobre o que, cedo ou tarde, acaba acontecendo”. Páginas e páginas de crítica literária e teses acadêmicas resumidas em quatro linhas. E sobre a sua elíptica forma de escrever, sentenciava: “Para escrever o menor dos contos, a vida inteira é curta. Nuca termina uma história, basta reler para começar”. Uma resposta para os críticos que o chamam de repetitivo?
O documento teria origem em uma matéria produzida pelo jornalista Mussa José Assis, que em 1972 entrevistou Dalton Trevisan para o “Suplemento Literário” do jornal O Estado de São Paulo. Conhecido de Trevisan, Mussa convenceu o Vampiro a travar uma “conversa informal”, marcada para acontecer no escritório de Dalton, anexo à fábrica de vidros da família Trevisan, na Rua Emiliano Perneta. O papo virou entrevista e foi publicado na reestreia do “Suplemento”, juntamente com o conto “Firififi”, que apareceria em O rei da terra, coletânea de 1975. Ao longo do papo, Dalton falou sobre o sonho de ser corredor dos 110 metros com barreiras, a faculdade de Direito que cursou na Universidade Federal do Paraná (UFPR), a curta carreira como advogado, o casamento com dona Yole, as duas filhas e sua origem abastada. Além disso, explicações sobre o ofício de contista, que apareceriam no release distribuído por Dalton, também estão na entrevista.
“Há o preconceito de que depois do conto você deve escrever novela e, afinal, romance. Meu caminho será do conto para o soneto e para o haicai.” Já sobre sua reclusão, ironizava: “Detesta as pessoas que não conhece. Não se acha figura difícil, esbarra diariamente consigo em todas as esquinas de Curitiba”.
Se o escritor, depois de ter algumas de suas frases publicadas pelo “Suplemento”, passou a usar a entrevista como release, não se sabe. Mas, na comparação, os textos são bastante parecidos. Ainda assim, um indício pouco confiável em se tratando de Dalton Trevisan.

Fonte: Cândido - Jornal da Biblioteca Pública do Paraná - nº 11 junho/2012 pág. 24 - O (quase) silêncio do vampiro - Autor: Luiz Rebinski Junior