Lima Barreto foi um dos grandes escritores da loucura e da miséria adjacente. Os telenoveleiros de hoje usam os psicopatas criminosos como filão que rende dinheiro e talvez alimente a neurose coletiva.
O Diário do Hospício e o Cemitério dos Vivos, de Lima Barreto, refletem a miséria do escritor, miséria moral por trás da física e da financeira, desânimo de quem busca a glória literária, o renome, e se vê jogado na impotência de uma vida de pequeno funcionário público, entregue à bebedeira, que o joga no delírio, e daí no desterro do hospício.
O parente chamava a polícia para entregá-lo como indigente no Hospital Nacional de Alienados, no belo recanto da Praia Vermelha, dando vista para a Urca, Pão de Açúcar e Botafogo.
Os psiquiatras do hospício sabiam que ele não era louco, e sim bêbado contumaz, mas não lhe davam alta logo, porque quem era trazido pela polícia não podia ser solto de imediato daquele hospital-prisão.
Lima Barreto admirava Dostoievski e de certo modo foi seu êmulo carioca, inspirando-se nas Recordações da Casa dos Mortos.
Dostoievski era um jogador inveterado, como bom russo devia gostar de vodka, e escrevia freneticamente para pagar dívidas de jogo. Os dois eram gênios, cuja glória sobreviveu à morte.
Em certos trechos de Lima Barreto a gente vê que o impulso principal de um escritor é a vaidade, o desejo de fama, de reconhecimento.
O escritor é um narciso que se olha no papel em branco, se enxerga nas letras impressas, deleita os dedos ao tocar no livro, na capa, na espessura do dorso. Talvez por isso alguns deles se esmerem em produzir grande quantidade de folhas, por vezes cansando o leitor benévolo que queira chegar ao fim do volume.
Outra coisa que se vê em Lima Barreto é a reprodução da sua vida na ficção. Outros escritores conseguem esconder bastante essa dependência da experiência pessoal.
Mas é ela que enriquece a literatura. Há quem diga que a vida imita a arte, mas é a arte que imita a vida. Em certos casos a vida está apenas repetindo a arte, que já tinha imitado a vida.
No caso das telenovelas de hoje eu não sei se a repetitiva psicopatia de personagens maus irá criar muitos criminosos psicopatas, adicionais aos que a vida já normalmente produz.
Eu não sei porque os fabricantes de novela de TV caem nessa rotina de criar criminosos psicopatas, ou psicopatas criminosos, que se sucedem a cada seis meses.
E o público se acostuma, ou se submete, a essa neurose passiva, masoquista, como se não houvesse outros temas, outros modos de ver a vida.
Isso talvez tenha relação com a neurose atual de insegurança pública, que leva todo mundo a construir muros de dois, três metros de altura, cercas elétricas, câmeras de vídeo, alarmes eletrônicos, rolos bélicos de arame farpado, vigias de segurança privada, cães ferozes e até carros blindados.
Os vidros escuros nos carros já viraram moda, aliás, ilegal, irregular. Servem para esconder os bandidos da polícia, em vez de esconder o timorato motorista do eventual bandido assaltante de sinal de trânsito.
Ao lado do medo neurótico nas ruas, o telespectador passará a ver psicopatas no local de trabalho, em casa, no clube, e passará a comprar livros de auto-ajuda para reconhecer sintomas de psicopatia. Já há uma moça psiquiatra que está ganhando muito dinheiro com seus livros sobre o tema.
Dos adultos a coisa passou para as crianças e adolescentes nas escolas. A sua agressividade e má educação passou a ganhar um termo em inglês ? bulliing. Ficou chique ser ativista ou vítima do bulliing.
Lima Barreto tratava da loucura porque era seu universo próximo. Seu pai morreu alienado mental. E ele mesmo foi obrigado a parar em hospício duas ou mais vezes, por causa da bebida e da pobreza.
Mas os noveleiros de hoje ganham muito dinheiro repetindo a rotina semestral dos personagens psicopatas.
E o público aceita, assim como aceita o lixo musical da música brega, que monopoliza as rádios ditas populares.
E os noticiários já estão dando ênfase para alunos assassinos de professores, porque não querem notas baixas ou atrasos nos diplomas, e a educação vai virando caso de polícia.
Será que a agressividade e o individualismo exacerbados estão se tornando a nova loucura do século XXI?
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