Contra as normas estéreis, as formas estéreis

Cruz e Sousa evoca sua chegada ao Rio de Janeiro, quando experimentara o mesmo mal-estar: tudo era novo e hostil. Quanta ilusão pensar que a capital do país, como uma cidade mais intelectualizada, mais moderna que Desterro, iria reconhecer-lhe o talento. Na primeira vinda ao Rio de Janeiro, bem que tentara estabelecer-se. Foram oito meses de portas fechadas, de dificuldades. Pelo menos, conhecera Nestor Vítor, seu grande amigo, o fiel divulgador de sua obra (quem, diz a lenda – e disso o poeta nem desconfia – iria acender-lhe velas diante do retrato, após sua morte). Pelo menos, há cada vez mais a poesia, há Charles Baudelaire, há Edgar Allan Poe: seus refúgios.
Lá, dentro da confeitaria, Oscar Rosas continua dando ouvidos ao desconhecido. Cruz e Sousa fixa os olhos no amigo; graças a ele e a outros, como Emiliano Perneta, conseguira estabelecer-se definitivamente no Rio de Janeiro, onde a moda literária é então o Parnasianismo. A poesia oficial, reconhecida pela intelectualidade, pela imprensa, pelos escritores já consagrados, é aquela produzida pela tríade formada por Olavo Bilac, Raimundo Corrêa e Alberto de Oliveira. Uma poesia cujo “realismo” volta-se para a objetividade pictórica de sabor neoclássico, que prima pelo culto à forma. Cruz e Sousa foi o seu tanto parnasiano, esteta da “Arte pela Arte”:
Como eu vibro este verso, esgrimo e torço,
Tu, Artista sereno, esgrime e torce:
Emprega apenas um pequeno esforço
Mas sem que a Estrofe a pura Ideia force.
Tantas contendas com o grupo dos Parnasianos, mas quem pode negar a semelhança entre esses versos e os de “Profissão de Fé”, o hino parnasiano, de autoria Olavo Bilac? Mas, à preocupação com a forma, tão tipicamente parnasiana:
Assim terás o culto pela Forma,
Culto que prende os belos gregos da Arte
E levarás no teu ginete, a norma
Dessa transformação, por toda a parte.
vem somar-se uma musicalidade estranha:
Enche de estranhas vibrações sonoras
A tua Estrofe, majestosamente...
Põe nela todo o incêndio das auroras
Para torná-la emocional e ardente.
e uma sensorialidade inusitada, sinestésica, contrária à impassibilidade parnasiana:
Derrama luz e cânticos e poemas
No verso e torna-o musical e doce
Como se o coração, nessas supremas
Estrofes, puro e diluído fosse.
(...)
("Arte")
Diluir é o passo para sublimar, para ascender, ou transcender: “Para atingir o mundo das Essências, é preciso primeiramente destruir o mundo concreto, é preciso, partindo do Parnaso, que é a apologia das formas duras, sólidas de linhas bem talhadas, e da indestrutibilidade, mármore, metal , marfim, ultrapassá-lo, para misturar as linhas, mergulhar relevos, extinguir os contornos.” (Roger Bastide)
Fonte: www.vidaslusofonas.pt