Responsabilidades do Estado de Direito Democrático.

O cidadão-político, quando investido em funções de poder, qualquer que seja o nível e natureza desse poder, tem o dever indeclinável de adotar, em quaisquer circunstâncias, uma conduta ética, de total lealdade ao eleitorado, aos valores axiológicos e aos projetos concretos, que se comprometeu defender e executar, respetivamente, o que implica, para além de qualidades inatas, naturais e adquiridas, uma permanente formação cívica, antes, durante e depois do exercício de funções políticas.
Ele deve ser o garante da justiça social, da solidariedade para com os mais desfavorecidos, da tolerância para com os incompreendidos, e da determinação em conduzir o seu pelouro, de boa-fé, com regras práticas de boa governação, e, finalmente, defensor dos valores, princípios e direitos naturais, da cultura democrática, tais como: a liberdade, a segurança e a propriedade. É claro que este cidadão-político não nasce com o perfil agora descrito.
A sociedade, através das suas instituições, instrumentos e recursos, tem o dever de o formar. A comunidade, na sua organização sócio-cultural, político-económica e estratégico-axiológica, reside nos órgãos do Poder Político, democraticamente eleitos, vulgarmente denominado por Estado.
O Estado Democrático, assim definido é, obviamente, o grande responsável por quase tudo: o que de bom, e de mau, acontece na sua área e território jurisdicional e de influência. Por isso, os bons exemplos, através das boas-práticas, devem partir desse poder político chamado Estado, agora não tanto o Estado abstrato, sem rosto, sem contornos, mas o Estado personificado nos titulares dos respetivos e diversos órgãos públicos, de que resulta uma responsabilização acrescida, principalmente no Estado de Direito Democrático, onde: legisladores, governantes, executores, administradores dos diversos órgãos, são candidatos voluntários a tais funções.
Não podem, tais pretendentes, e depois de eleitos, reclamar por salários de luxo, benefícios e privilégios que os seus concidadãos não têm, lamentarem-se que estão a fazer um grande sacrifício para servir o povo, quando, posteriormente, se vem a divulgar que, muitos deles, ao desligarem-se da atividade política, ficam muito bem na vida económico-financeira, sem preocupações desta natureza, durante toda a velhice, para além de excelentes cargos profissionais que lhes são oferecidos.
A tudo isto acresce, ainda, o facto de haver muitas situações de privilégios que são passadas para familiares e amigos. A ilação lógica e justa que se pode extrair, é que os detentores de cargos políticos por eleição, e/ou por nomeação, devem ser os primeiros a adotarem, na prática, uma conduta de serviço público isento, em favor de uma sociedade mais justa e igualitária.
O Estado de Direito Democrático, representado pelos titulares de cargos públicos, não pode eximir-se à responsabilidade que lhe cabe na boa condução das diversas políticas: educativa, social, económica, saúde, trabalho, segurança social, defesa, entre outras.
Não pode permitir que uns tantos usufruam privilégios, por via do exercício de certos cargos, quando a maioria do povo vive nas maiores dificuldades, porque se se adaptar a terminologia de Maquiavel, em plena idade Média, hoje verifica-se que, apesar de vigorar um regime democrático: os vícios, as ambições ilegítimas e os interesses pessoais e/ou de grupo, não foram totalmente erradicados.
Se se transferir para o povo a designação de “Príncipe” e a de “Ministro” para os titulares de cargos públicos, pode-se refletir profundamente, a partir do seguinte raciocínio: «Mas para que um príncipe (povo) possa conhecer bem o ministro (titulares de cargos políticos) há este modo que não falha nunca: quando vires que o ministro pensa mais em si próprio do que em ti, e que em todas as suas acções procura tirar proveito pessoal, podes ter a certeza de que ele não é bom, e nunca poderás fiar-te nele; aquele que tem em mãos os negócios do Estado não deve pensar nunca em si próprio, mas sempre no príncipe (povo) e nunca lembrar-lhe coisas que estejam fora da esfera do Estado.» (MACHIAVEL, (1532), s.d.:94).
As fragilidades da Democracia constituem uma tentação para aqueles que, no exercício de funções públicas, espreitam e exploram as lacunas, intencionais ou não, da Lei, retirando os proveitos que, em geral, o cidadão comum não tem.
Aproveitamentos que, por estes processos interpretativos, habilidosos e abusivos da Lei, geram desigualdades, a partir das mais altas instâncias do poder, conduzem, por sua vez, a situações, mais ou menos generalizadas, de idênticos comportamentos, noutros níveis do poder.
A comprovarem-se tais desvios na sociedade, é necessário pedir explicações ao Estado que, nestas circunstâncias, seria, então, o maior e persistente prevaricador, não lhe assistindo qualquer autoridade moral, para punir quem quer que tenha cometido idênticas infrações.
Tudo se resume, contudo, a uma questão de cidadania no campo dos direitos e dos deveres, da igualdade de oportunidades no acesso aos bens de necessidade básica, por isso: «A cidadania é uma coisa frágil, prejudicada por todas as desigualdades e divergências de interesses. (…). A nossa paixão pela igualdade conduz-nos, desde há mais de dois séculos, na busca dos meios para passar da igualdade de direito à igualdade de facto.» (MADEC & MURARD, 1995:96).
Assim, o Estado (leia-se o Governo, os responsáveis políticos e seus nomeados), terá de ser sempre o primeiro responsável, enquanto os seus titulares, nos diversos órgãos, cargos e funções, não revelarem boas-práticas, justamente, com bons exemplos, de direito e de facto.

Bibliografia
MADEC, Annick; MURARD Numa, (1995). Cidadania e Políticas Sociais, Tradução, Maria de Leiria. Lisboa: Instituto Piaget
MACHIAVEL, Niccoló, (s.d.). O Príncipe. Tradução, prefácio e notas, Lívio Xavier, S. Paulo (Brasil): Editora Escala