Cantiga da Menina e Moça

Cantiga da Menina e Moça


Pensando-vos estou, filha;

vossa mãe me está lembrando;

enchem-se-me os olhos d'água,

nela vos estou lavando.

Nascestes, filha, entre mágoa,

para bem inda vos seja,

que no vosso nascimento

vos houve a fortuna inveja.

Morto era o contentamento,

nenhuma alegria ouvistes;

vossa mãe era finida,

nós outros éramos tristes.

Nada em dor, em dor crescida,

não sei onde isto há de ir ter;

vejo-vos, filha, formosa,

com olhos verdes crescer.

Não era esta graça vossa

para nascer em desterro;

mal haja a desaventura

que pôs mais nisto que o erro.

Tinha aqui sua sepultura

vossa mãe, e a mágoa a nós;

não éreis vós, filha, não,

para morrerem por vós.

Não houve em fados razão,

nem se consentem rogar;

de vosso pai hei mor dó,

que de si se há de queixar.

Eu vos ouvi a vós só,

primeiro que outrem ninguém;

não fôreis vós se eu não fora;

não sei se fiz mal, se bem.

Mas não pode ser, senhora,

para mal nenhum nascentes,

com este riso gracioso

que tendes sobr’olhos verdes.

Conforto mas duvidoso,

me é este que tomo assim;

Deus vos dê melhor ventura

da que tivestes até aqui.

Que a dita e a formosura

dizem patranhas antigas,

que pelejaram um dia,

sendo dantes muito amigas.

Muitos hão que é fantasia;

eu, que vi tempos e anos,

nenhuma coisa duvido

como ela é azo de danos.

Mas nenhum mal não é crido,

o bem só é esperado,

e na crença e na esperança,

em ambas há uma mudança,

em ambas há um cuidado.