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Bernardim Ribeiro (1480/1500 – 1530-1545) teria nascido na vila de Torrão, Alentejo em data incerta e, segundo alguns autores, teria visitado a Itália na companhia de Sá de Miranda. Chegaram até nós cinco éclogas e a novela Saudade, mais conhecida por Menina e Moça. Algumas das suas posias foram inseridas no Cancioneiro Geral de Garcia de Resende. É-lhe atribuída por alguns a autoria da écloga Crisfal, assinada por Cristóvão Falcão. Os temas das suas obras andam à volta da infelicidade amorosa. ÉCLOGA II Dizem que havia um pastor antre Tejo e Odiana, que era perdido de amor per Da moça Joana. Joana patas guardava pela ribeira do Tejo, seu pai acerca morava e o pastor de Alentejo era, e Jano se chamava. Quando as fomes grandes foram que Alentejo foi perdido, da aldeia que chamam o Torrão foi este pastor fugido. Levava um pouco de gado, que lhe ficou doutro muito que lhe morreu de cansado; que Alentejo era enxuito de água e mui seco de prado. Toda a terra foi perdida; no campo do Tejo só achava o gado guarida: Ver Alentejo era um dó! E Jano, pera salvar o gado que lhe ficou, foi esta terra buscar; e, se um cuidado levou, outro foi ele lá achar. O dIa que ali chegou com seu gado e com seu fato, com tudo se agasalhou em üa bicada de um mato. E levando-o a pascer, o outro dia, à ribeira, Joana acertou de i ver, que se andava pela beira do Tejo, a flores colher. Vestido branco trazia, um pouco afrontada andava, fermosa bem parecia aos olhos de quem na olhava. Jano, em vendo-a, foi pasmado; mas, por ver que ela fazia, escondeu-se antre um prado: Joana flores colhia, Jano colhia cuidado. Depois que ela teve as flores já colhidas, e escolhidas as desvairadas coores, com rosas entremetidas, fez delas üa capela, e soltou os seus cabelos, que eram tão longos como ela e de cada um a Jano, em vê-los, lhe nacia üa querela. E enquanto aquisto fazia Joana, o seu gado andava por dentro da água fria, todo após quem o guiava. Um pato grande era guia, e todo junto em carreira. ora rio acima ia. ora, em a mesma maneira. o rio abaixo decia. Joana, como assentou a capela, foi com a mão à cabeça, e atentou se estava em boa feição. Não ficando satisfeita do que da mão presumia, partiu-se dali direita pera onde o ria fazia de água üa mansa colheita. Chegando à beira do rio, as patas logo vierom todas Da a üa, em fio, que toda a água moverom. De quanto ela já folgou com aquestes gasalhados, tanto entonces lhe pesou, e com pedras e com brados dali longe as enxotou. Depois que elas foram idas e que a água assossegou, Joana, as abas erguidas, entrar pela água ordenou; e assentando-se, então, as sapatas descalçou, e, pondo-as sobre o chão, por dentro de água entrou e a Jano pelo coração. Enquanto, com passos quedos, Joana pela água ia, antre uns desejos e medos Jano, onde estava, ardía; não sabia se falasse, se saísse, se estivesse: que o amor mandava que ousasse, e, por que a não perdesse, fazia que arreceasse. Dizem que naqueste meo se esteve Joana oulhando; e, descobrindo o seu seo, oulhou-se, e dixe, um ai dando: «Eu guardo patas, coitada, não sei onde isto há-de ir ter, mais era eu pera guardada. Que concerto foi este, ser fermosa e mal empregada!» Em aquisto Jano ouvindo, não se pôde em si sofrer, que de antre as ervas saindo se não lançasse a correr. Joana, quando sentiu os estrompidos de Jano, e que se virou e o viu, temor do presente dano lhe deu peis com que fugiu. Mui perto estava o casal onde vivia o pai dela, que fez ir mais longe o mal que Jano teve de vê-la. Mas o medo que causou Joana partir-se assi, tanto as mãos lhe embaraçou, que a sapata esquerda, ali, com a pressa lhe ficou. Jano, quando viu e olhou que nenhum remédio havia, pera o lugar se tornou aonde ela na água se via. E vendo a sapata estar no areal, à beira de água, foi-a correndo abraçar. Tomando-a, creceu-lhe a mágoa, e começou de chorar. Vem ali ter, entretanto, Franco, outro pastor, que mantém com o seu amigo Jano um longo diálogo, no qual ambos se lamentam das suas infelicidades amorosas. E a écloga termina ao entardecer, com o levar do gado à água. |