Para celebrar o centenário de morte do dramaturgo que consolidou a comédia de costumes brasileira, Arthur Azevedo, o Conexão Professor entrevistou Larissa de Oliveira Neves, doutora em Teoria e História Literária pela Universidade Estadual de Campinas - Unicamp (2006), na área de Literatura Brasileira, e mestre em Teoria e História Literária pela Universidade Estadual de Campinas - Unicamp (2002), na área de Literatura e outras produções culturais. Com experiência na área de Letras, ênfase em Literatura, Cultura Brasileira, Língua Portuguesa e Teatro, Larissa atua sobre os seguintes temas: literatura brasileira, cultura brasileira, dramaturgia, história do teatro brasileiro, teoria do teatro, comédia, leitura e produção de texto. Confira a íntegra da entrevista:
Conexão Professor (CP) - Arthur Azevedo consolidou a comédia de costumes brasileira, sendo, no país, o principal autor do Teatro de Revista. Você poderia falar sobre a tendência estilística por ele assumida e sobre sua ligação com a obra de Martins Pena?
Larissa Neves - Arthur Azevedo viveu num período em que houve o predomínio do teatro popular musicado, cujos gêneros principais eram a revista, a opereta e as mágicas. Com enorme talento para escrever comédias ligeiras, a maior parte de sua obra filia-se aos gêneros musicados, em que números de música alternam com cenas de comédia. Tais gêneros, à época, eram considerados inferiores aos dramas e à chamada alta comédia. Os literatos seguiam os padrões de uma poética que vinha do classicismo francês e que defendia a hierarquização dos gêneros. Não obstante esse pensamento, Arthur Azevedo, embora fosse um intelectual extremamente culto e respeitado pelos seus pares, assumiu o teatro popular, que escreveu durante toda a vida. Além das revistas, operetas e burletas, ele produziu um grande número de comédias de costumes, filiando-se, assim, à tradição do teatro brasileiro do século XIX, que se iniciou com Martins Pena. Admirador de nosso primeiro comediógrafo, Artur Azevedo também escreveu comédias cômicas em que criticava, por meio do humor, os costumes da população. Como Pena, utilizava uma linguagem simples e brasileira, calcada na oralidade. Podemos dizer, inclusive, que Arthur Azevedo foi além, porque diferenciava os tipos cômicos brasileiros (o malandro, a mulata, o roceiro, os imigrantes, o capoeira) pelo modo de falar.
CP - Suas comédias fixaram aspectos da vida e da sociedade carioca de uma época. Que rasgos sociais o dramaturgo evidencia em sua obra e de que forma tais aspectos interferiam na construção dos costumes da capital?
Larissa Neves - Não podemos dizer que suas peças interferiram na construção dos costumes da capital e sim o oposto: os costumes foram a base para a elaboração de suas peças. Embora não houvesse uma interferência concreta, Arthur Azevedo utilizava os costumes para fazer críticas diretas (no caso das revistas de ano, as personalidades e os acontecimentos faziam parte da cena). Desse modo, houve sim, certa influência, não na criação de novos costumes, mas no direcionamento da opinião pública para certos casos polêmicos, como aconteceu no caso da revista O Bilontra, em que a peça influenciou um caso de julgamento real, parodiado no palco.
Assim, Arthur Azevedo colocava no palco todas as camadas da população carioca em suas relações familiares e profissionais, os habitantes identificavam-se com os temas, tratados de maneira leve e bem humorada, o que garantia o teatro cheio quando se apresentavam seus textos.
CP - Arthur Azevedo foi um dos grandes emblemas da abolição da escravatura. De que maneira sua ação repercutiu na sociedade?
Larissa Neves - Arthur Azevedo escreveu duas peças abolicionistas: O Liberato e O Escravocrata. A primeira foi encenada no Teatro Lucinda, em 1881; a segunda, denominada inicialmente A Família Salazar e escrita em 1882, em parceria com Urbano Duarte, foi proibida pela censura. As duas foram publicadas em forma de livro em 1884. Arthur Azevedo, como grande abolicionista que foi, desejou, com essas peças, realizar, no palco, o que já fazia nas linhas dos jornais, como cronista, uma propaganda em favor da Abolição. Assim, em ambas as peças, é retratada e criticada a violência oriunda de um sistema social escravagista, que pune com violência, separa pais e filhos, gera mentira e perdição das famílias. O Liberato tem uma temática menos crua, o escravo em questão não chega a aparecer em cena. Já O Escravocrata trata do adultério de uma mulher branca com um escravo, que gera um filho branco: por ser um assunto polêmico, foi proibida pelo Conservatório Dramático. Como bem disseram os autores de O Escravocrata, no prefácio à peça, o texto ambicionava concorrer com um "pequenino impulso das nossas penas para o desmoronamento da fortaleza negra da escravidão". Foi com cada "pequeno impulso" desse porte que o Brasil deixou de ser um país escravocrata.
CP - Que legado Arthur Azevedo deixou para o teatro nacional?
Larissa Neves - Um legado imenso. São mais de duzentas peças, entre elas, algumas obras-primas como A Capital Federal e O Mambembe. Suas peças variam desde curtos sketches até comédias de grande espetáculo, sendo encenadas constantemente até hoje, tanto por pequenos grupos de estudantes ou amadores, quanto por companhias profissionais. Além disso, devemos a ele a construção do Teatro Municipal do Rio de Janeiro.
CP - Aos oito anos, Arthur já demonstrava pendor para o teatro, brincando com adaptações de textos de autores como Joaquim Manuel de Macedo, passando, pouco depois, a escrever, ele próprio, as peças que representava. Que mensagem você daria ao aluno que, independentemente da faixa etária, deseja fazer teatro?
Larissa Neves - Que faça! Teatro é uma paixão que não raras vezes começa desde cedo. Teatro é brincadeira, é diversão, é cultura. Quando eu mesma era menina, minha brincadeira preferida era o teatro. Embora não tenha me tornado atriz ou diretora, estudo dramaturgia e história do teatro. Assim, não importa a profissão que você venha a ter no futuro, fazer teatro em criança é uma experiência que fica para a vida inteira.
Aconselho aos professores que incentivem a prática teatral nas escolas e que trabalhem desde cedo com textos de teatro que são, muitos deles, simples, fáceis de ler e permitem a introdução de diversas atividades lúdicas e educativas.
CP - Qual a importância das artes cênicas na formação do indivíduo? De que forma as escolas podem trabalhar para integrar arte e educação?
Larissa Neves - Já comecei a responder na pergunta anterior, não é? As artes cênicas ajudam as pessoas sempre, não importa o que ela venha a ser profissionalmente durante a vida. Teatro permite a interação e a desinibição das crianças. Ajuda a desenvolver a imaginação e a ter Ideias práticas, aguça a inteligência e é, sempre, diversão. As escolas podem trabalhar com teatro tanto dentro das disciplinas regulares, quanto como atividades extras. É importante ter em mente que atividades como o teatro não "roubam" o tempo de sala de aula, mas acrescentam e muito o aprimoramento do conhecimento e a prática da memória. Escolher um texto e encená-lo poderá ajudar nas aulas de português, artes, história, ciências: os professores podem discutir o assunto tratado na peça, ampliá-lo, utilizar o texto como correspondência com outros assuntos. Assim, a atividade pode envolver todos os professores e alunos e estender-se de diversas maneiras.
Fonte: www.conexaoprofessor.rj.gov.br
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