O medo

Kerouac adorava perambular pelos Estados Unidos, entre os mendigos, os sem-teto, os andarilhos. Eram pessoas sem futuro, muitas vezes sem passado, que viviam apenas para o presente. Não esperavam nada da vida. Kerouac admirava isso, não conseguia ser assim: “eu sabia que seus esforços literários seriam um dia recompensados por proteção social”, enquanto que os andarilhos viviam sem esperança alguma, a não ser aquela secreta esperança eterna só obtida dormindo majestosamente ao relento na estrada.
Quando me libertei dessa esperança, quando passei a sinceramente cagar se meus esforços literários seriam recompensados com proteção social ou não, pude experimentar um pouco da felicidade primordial, da liberdade profunda que Kerouac buscava.
Descobri que minha única obrigação era ser um homem feliz e realizado. Se eu fosse isso, tudo já estava resolvido. O resto era sintonia fina.
Na prática, se você quer alguma coisa (ser escritor, ganhar um milhão de dólares, conhecer Paris, comer a Gisele Bundchen, etc) é porque acha que isso vai te fazer feliz e realizado.
Mas me dei conta de que não precisava de nada, literalmente nada, pra me sentir feliz e realizado. Esse processo é puramente interno e 100% sob meu controle.
Então, ao invés de querer ser escritor de sucesso pra ser feliz e ser realizado, basta ser feliz e realizado. Se você, que já é feliz e realizado, escrever e for um escritor de sucesso, melhor ainda. Se não, se você for tão feliz, que nunca mais sentiu aquela necessidade compulsiva de escrever... Bem...
Porra!, você já é feliz e realizado, vai querer escrever pra quê? Deixa isso pra quem ainda está precisando se comunicar, lutando contra seus demônios, tentando se encontrar.


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