Uma história bem velhinha

Autor: Humberto Pinho da Silva

Contato: humbertopinhodasilva@gmail.com

No ano da graça de 1676, residia no Mosteiro de Santo Agostinho da Serra, frade crúzio, que passava os santos dias em contemplação.
Bem lhe recomendava, o bom prior, Dom Jerónimo, que fosse até à cerca, recrear-se, pois sua saúde dava-lhe extremo cuidado, mas era o mesmo que nada.
Acertou de vir o célebre imaginário vimaranense Domingos Costa, armar o retábulo do templo, que fora traça de Filipe Tércio e incumbiram ao piedoso frade, a missão de levar, ao artífice, a refeição quotidiana.
Fez o monge forte instância, só a rogos anuiu; mais parecia emparedada de S. Nicolau, que cónego regrante do Bispo Hiponense, já que os acostumados regalos eram: jejuns, orações e doses de disciplina.
Andava o bom cenobita na tarefa, que por obediência se havia obrigado, quando topa, em festiva chilreada, amorosos passarinhos, que cuidadosamente fabricavam o ninho.
Enxergou, com desgosto, o humilde filho de Santo Agostinho, que as inocentes avezinhas edificavam, em incansável labor, seu aconchego em desguardado local.
Condoeu-se, então, o monge e acercando-se, tentou falar-lhes, a jeito que o irmão Francisco fizera às rolas da Porciúncula.
Mas os pardalitos fizeram rija instância e, de coração contrito, o cenobita não encontrou melhor remédio senão desmanchar, por próprias mãos, o que tanto custara.
No dia imediato, perpassando pelo local, lobrigou, em rasteiro maciço de verdura, novo ninho, mais sólido, mais forte, mais rijo.
Pensou destruí-lo, mas moveram-se as lágrimas de pesar, e não conseguiu encontrar coragem para tanta crueza.
Sobre tarde, quando o céu se avermelhava para a barra do Douro, e as vidraças da igreja se incendiavam, foi visitá-los. Encontrou-os aconchegados, adormecidos na quietude de quem se recolhe na paz do Senhor.
Porém, ao romper da aurora, após matinas, ao fiscalizar a obra do templo, depara horrorizado, o hediondo espectáculo de passarinhos, traçados e decepados por agressivas navalhas ferinas.
Acontecera a funesta tragédia que tanto receara o crúzio.
Daqui tiraram, alumiados por Deus, os cenobitas, importante conclusão: muitas vezes o Senhor açoita os justos, destruindo-lhes as iniciativas, mas é por bem.
Se o irmão tivesse sido inclemente, arrasando o ninho, os passaritos seriam salvos e viveriam felizes. É o que Deus faz, ainda que a atitude nos apareça, quantas vezes injustas, por pensarmos como homens.

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