O ponto

Autor: Luiz Angelo Vilela Tannus - Uberlândia MG

Contato: luanvita@bol.com.br

Ele era um aluno razoável. Não daqueles cdf's, sempre admirados pelos professores, mas também não figurava entre os maiores malandros da turma. Cursava engenharia mecânica em uma famosa universidade federal. Ao final do semestre, precisava de seis pontos para fechar determinada matéria e obteve apenas 5.9. Chateadissímo, foi falar com a professora.
Argumentou que seria lamentável perder mais um semestre na escola por causa de um mísero décimo de ponto, que aquilo lhe atrasaria toda a vida, seus planos, etc...
A professora ouviu tudo que ele tinha a dizer e ao final falou. Não posso dar-lhe este ponto pelo simples fato de não querer cometer uma injustiça com outros alunos que também ficaram para o próximo semestre. Já conferi sua prova inúmeras vezes e você realmente não obteve a nota necessária para aprovação.
Mas é muito insignificante, se fôsse por um ponto, meio ponto, eu aceitaria de bom grado e até aproveitaria essa lição para estudar mais no futuro, prestar mais atenção às aulas, enfim, dedicar-me mais aos estudos; mas um décimo, francamente, sinto-me injustiçado e não posso pensar em outra coisa a não ser que você seja muito inflexível, muito dura...
Você tem todo o direito de fazer juízo de valor dos meus métodos, afinal é meu aluno e tem toda a liberdade para pensar o que quiser sobre minha forma de dar aulas e avaliar meus alunos; entretanto, reservo-me ao direito de não conceder-lhe a aprovação, simplesmente porque você não conseguiu atingir a meta para tal.
Imagine-se no meu lugar, ponderou o rapaz, estudar mais seis meses, período em que poderia estar fazendo um estágio, preparando-me para o mercado de trabalho; ter que rever tudo que já vi durante todo o semestre, por causa de um mísero décimo de ponto que não consegui nessa matéria. É muito frustrante, não concorda?
Concordo totalmente e consigo sentir exatamente o que você sente nesse momento, pois também já fui aluna e certa vez fui obrigada a repetir, não um semestre, mas um ano, simplesmente porque não obtive a nota necessária para aprovação em determinada matéria. Fiquei por um décimo, como você agora. Você deve estar pensando que estou sendo vingativa e transferindo para você toda a frustração que sofri naquela época, mas não é isso que está acontecendo. Com o tempo, percebi que aquele fato foi muito importante em minha vida.
O ano que repeti foi um ano de reflexão, de muito estudo, de auto-avaliação e também de um maravilhoso encontro comigo mesma. Aprendi que podemos sempre dar um pouquinho mais de nós, ao invés de simplesmente frequentar as aulas. Aprendi que as coisas obtidas com facilidade, são infinitamente menos significativas do que aquelas que conseguimos com luta e dedicação.
Aprendi que se conseguisse passar essa experiência para alguém, estaria sendo muito mais útil do que semplesmente dar aulas. Fiz daquele evento meu objetivo de vida e graças a isso, hoje sou professora titular desse departamento, tendo obtido ótimos dividendos socias, financeiros e, principalmente, pessoais.
Se eu lhe der esse ponto, você provavelmente vai continuar agindo como antes, frequentando aulas sem um objetivo, sem valorizar efetivamente seu tempo, o que certamente, não resultará em um futuro promissor.
Um dia você entenderá que estou ajudando-o, embora pareça o contrário. Por isso insisto, faça novamente a matéria e sobretudo, faça essa reflexão.
Não podendo mais argumentar, o aluno abaixou a cabeça e saiu triste. Ao distanciar-se uns cinco metros da professora, olhou para trás e gritou:
D E S G R A Ç A D A...


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