Filhos?

Autor: Adriano Saraiva

- Arnaldo, precisamos conversar.
- Pode falar, querida.
- Quero um filho, afinal de contas já estamos casados há quatro anos.
- De novo? Nós já discutimos isso uma centena de vezes.
- Já faz tempo, além disso, um casamento para ser perfeito tem que ter filhos.
- Quem te disse essa bobagem?
- Minha mãe.
- Só podia, aquela jararaca! Tua mãe não passa de uma velha esclerosada.
- Não fala assim dela e além do mais nosso casamento não vai lá essas coisas.
- E você acha que um filho é a solução para todos os problemas matrimoniais do universo? Filho não é bote de salvação para casamento nenhum. As pessoas se casam para compartilharem uma vida, porque se amam e até para afugentar a solidão, sei lá. Mas não com o único propósito de procriar.
- Arnaldo, talvez seja melhor, eu sinto essa necessidade, não estou realizada como mulher, falta algo, não entende?
- Tudo bem, eu arranjo um gatinho ou um cachorro.
- Você é um insensível, um brutamontes, nem sei como fui casar contigo.
- Além do mais, não temos condições financeiras, quem sabe mais tarde...
- Conversa fiada. Sempre a mesma e ridícula desculpa. Se pensarmos assim, nunca teremos um nenê.
- Não é desculpa esfarrapada, não senhora. Você quer que nosso filho passe pelo mesmo trabalho que nós estamos passando? Viver essa vidinha de merda. Eu gostaria de dar tudo. Bom estudo, boas roupas e depois de crescido até um apartamento e um carro. Mas como farei essas coisas? Não temos nem a nossa própria casa. O dinheiro mal dá para o aluguel.
- A vida é isso, se precisar sofrer ele terá que suportar.
- O que eu estou escutando nada mais é do que egoísmo. Você não liga para o futuro da criança. Só está pensando em si mesma, no seu instintozinho medíocre de realização materna.
- Todos têm filhos. Ninguém que eu conheça faz tanto escândalo por causa disso.
- São todos uns irresponsáveis. Amanhã, os próprios filhos poderão se revoltar contra eles. O mundo está podre, não vale a pena viver.
- Idiota, você só fala asneiras.
- E mesmo que tivéssemos todas as condições, quem garantiria que ele seria feliz. Ele poderia ter vários problemas assim mesmo. Ser drogado, virar um assassino, tornar-se um estuprador ou mesmo enlouquecer com a pressão desta vida absurdamente corrida. Quem sabe?
- Seja homem uma vez na vida e assuma que não quer ser pai. Que não tem coragem de assumir uma responsabilidade desse porte. Vamos, diga na minha cara que não quer ter um filho meu.
- Não é bem assim...
- Admita, seu bosta! Seu problema é arcar com o compromisso. No fundo seu pensamento está voltado para as privações que nós teremos que passar.
- Claro que não! Mas, chega! Chega de gritos e discussões. Tudo bem! Prometo pensar no assunto, me dá um tempo, está bem? Assim poremos um ponto final nessa briga infrutífera.
- Não temos tempo! Não adianta pensar! Já faz oito meses que parei de tomar as pílulas e estou grávida de dois meses.
- Que brincadeira mais boba.
- Decidi sozinha e agora estou te contando. Se eu não tomasse esta atitude nunca teríamos uma criança.
- Então é verdade... No fundo sempre soube que estava casado com uma vagabunda.
- Não baixe o nível, exijo pelo menos um pouco de respeito, pois serei a mãe do teu filho.
- Meu filho? Meu filho o cacete, até agora quem não entendeu porra nenhuma foi você. Eu nunca quis ter filhos porque não podia e ainda não posso. Sou estéril.

Conto anterior

Conto anterior

          

Próximo conto

Próximo conto