Um sonho não tem preço

Autor: Luiz Cláudio Gandim

Criança é assim mesmo, quando encasqueta numa coisa... é capaz de passar dias, meses e anos com aquilo na cabeça.
Um amigo me contou que quando era criança, sua família nunca teve condições de lhe dar uma festa de aniversário. Contou-me que todos os anos ele sonhava em comemorar como alguns de seus amiguinhos; com nêga-maluca, brigadeiro, refrigerantes, cachorro-quente, com torta principal enfeitada, um ano com campo de futebol, outro com o Pateta e a turma do Walt Disney, Moranguinho, enfim, cada ano um motivo diferente. Não só com a decoração da torta, mas sonhava também com painéis enfeitando suas festas, com palhaços e tudo a que tinha direito.
Foi crescendo com essa frustração durante toda infância, adolescência, juventude afora. Passou todo tempo de primário, ginásio, científico e universitário sem condições financeiras de festejar seu aniversário.
Para ele sempre foi a data mais importante de sua vida, o dia de seu nascimento. Embora tenha vindo de uma família de classe média baixa, ele gostava dos desafios que o dia-a-dia lhe proporcionava. Superava todos os obstáculos que a vida lhe presenteava com a esperança de um amanhã vitorioso.
Quando se formou-se logo pensou: -Quando arrumar um emprego vou começar a economizar todos os meses para festejar com os meus amigos o próximo aniversário.
Sua outra paixão era festa junina; todo mês de junho ele dançava quadrilha, participava dos casamentos caipiras, ora como a noiva, ora como o juiz de paz, delegado ou o pai da noiva.
Dançava no Pau de Fita, tentava subir no Pau de sebo. Tudo que era de S. João ele estava no meio. O ponche e o quentão ele mesmo preparava, por ter o ponto certo de seus sabores.
Assim que esse meu amigo arrumou seu primeiro emprego, se lembrou da promessa que fizera a si mesmo e abriu logo uma poupança com o que sobrara do primeiro mês, assim aconteceu religiosamente nos seguintes.
Nas vésperas de comemorar seu aniversário, depois de formado, sua mãe adoece; o rapaz que a tinha como a pessoa mais importante de sua vida, sua preciosidade, não se conformou de vê-la enferma, providenciou logo o melhor hospital para interná-la, gastando parte de sua economia na recuperação.
Feliz por ter grana para curar o mal de sua mãe, teve que deixar para o próximo ano a realização de seu sonho, recomeçando a guardar todo dinheiro que sobrara.
Próximo do seu aniversário percebeu que o que guardara dava de para uma boa entrada num automóvel zero quilômetro, e foi surgindo namorada, logo veio a compra do terreno, o noivado, a construção da casa própria, casamento, viagem de lua-de-mel, os filhos, mensalidades escolares, viagem de férias, troca de carro, casa de praia, universidade dos filhos e a oportunidade de festejar o seu aniversário foi ficando para trás.
Numa reunião familiar em à mesa, lhe perguntaram se era uma pessoa realizada. Num suspiro profundo, olhou os seus, e com a serenidade de um homem sábio, começou a falar:
- Tenho um sonho desde criança guardado nos arquivos da memória; venho tentando realizar durante toda minha caminhada terrestre. Creio as vezes, que o mesmo me fez vencer todas as barreiras para chegar até aqui. Não foram poucas as vezes em que estive às portas de realizá-lo, mas em todas houve tarefas maiores que me fizeram adiar, mas nunca perdia a fé de chegar a consumação dos fatos. Para lutarmos não precisamos ter sonhos impossíveis, como querer uma casa de praia, uma fazenda de gado em Goiás, um carro 0K ganhando menos que o valor da prestação. Muitas vezes o que desejamos são coisas palpáveis do nosso cotidiano, mesmo assim não a temos; por não sabermos lutar, por não acreditarmos nas conquistas, por não merecermos ou por benefício de nossa felicidade nos é negado. Venho de uma família de classe média baixa, papai lutou muito para nos criar, sendo em seis irmãos, mas sempre teve comida em nossa mesa. Ele desde cedo nos ensinou a ser honestos - uma das maiores virtudes do ser humano- sempre existiu uma formação religiosa em nosso lar. Passei para vocês o que de melhor herdei dele a respeito do amor ao próximo. Desde picorruchos éramos convidado pelos nossos amiguinhos para as suas festas de aniversários, deveras que sempre sonhei com uma festa de aniversário com balão, tortas com enfeite em cima, painéis... Fui crescendo com este sonho, mas a sua realização ficava sempre para o ano seguinte.
Seus filhos comovidos com o desejo do pai, promoveram uma festa no seu aniversário. Perguntando como ele gostaria que fosse a festa, sua resposta deixou a todos surpresos:
- Como uma "Festa de S. João".
Os filhos apesar de confusos, fizeram a sua vontade: com fogueira , quentão, pé-de-moleque, quadrilha, casamento caipira, pau-de-fita... Os convidados em traje caipira. A felicidade do aniversariante era maior do que um dia de sol após uma semanada de chuva.
Tirando a data da festa 15/12, foi uma festa inesquecível.

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