Uma viagem, um acaso

Autor: Sueli Ramoa da Silva Pires

Tudo ficou escuro, ela perdeu a consciência. Num instante depois o ônibus está parado em frente a um grande parque. Todos, inclusive o motorista e o trocador são crianças, com mais ou menos 6 anos. Então ela olha para o lado e vê uma menina sardenta, que se apresenta e sorri. Lá na frente uma gorducha com o cabelo cheio de trancinhas já está de pé, tagarelando: "Quem quer brincar de pique?” Todos estão muito alegres e cheios de energia, ninguém parece ter medo. O parque é lindo e eles aos poucos vão descendo e explorando o local. Os meninos correm em direção ao gramado para improvisar um futebol, neste encontro atemporal, sem preconceitos: "O Felipe vai para o gol". Enquanto isso as meninas combinam um passeio pelo jardim e correm atrás das borboletas: "Carolina, vem ver que flor esquisita!".
Só então o menino tímido da pastinha repara, mais adiante, um ônibus que já estava estacionado atrás de umas árvores altas e chama seus companheiros. Todos se juntam e seguem por uma trilha, subindo uma colina. Lá no topo, eles avistam um outro grupo alegre de crianças; uns brincam de roda, outros pulam amarelinha, alguns jogam pião. Então começa a algazarra do encontro, com muito riso e muita farra. Então Janaina, Luana, Geiza, Felipe, Carolina, enfim todos que estavam nos ônibus estacionados no tempo, fazem uma grande roda e cantam, despreocupados, alegres e cheios de esperança, do jeito que devem ser aos seis anos. De repente, Clara (assim se chama a estudante de comunicação) desperta, abre os olhos e percebe que o ônibus está seguindo seu trajeto habitual. O senhor aposentado cochila, os adolescentes descem na porta do colégio, sobe um vendedor de bala pela porta da frente, enfim tudo era conhecido. Ela dormira e sonhara? Não sabia. Havia sido uma experiência incrível, que lhe dava uma nova visão da realidade. Ela então olha para seus colegas de viagem com outros olhos, depois de conhecer a criança que cada um foi um dia. E pensa com muita tristeza e compaixão nos homens e mulheres que andam perdidos por aí, porque não conseguiram preservar sua criança e tiveram que abandoná-la em algum lugar do caminho, pela fome, pela doença, pela ignorância, pelo desamor. E esta ficção que despertou sentimentos reais seria o seu trabalho da faculdade, na cabeça estava pronta, clara e completa, só faltava passar para o papel.

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