Pergunta: Mário de Andrade valoriza a lógica e a razão em Macunaíma?

Macunaíma é amplamente considerado como o herói brasileiro, como uma descrição altamente ilustrativa da identidade brasileira. É uma história bem conhecida pela classe média educada que acredita ser Macunaíma, em todos os seus aspectos, um produto do imaginário cultural brasileiro, sintetizado pelo consagrado trabalho do escritor modernista Mário de Andrade (1893-1945).

Macunaíma representa uma oportunidade para a interpretação do complexo processo de construção de “símbolos nacionais”, comparável à interpretação que Eric Wolf (1958) fez da Virgem de Guadalupe, no México. A Virgem representa um sistema de significados condensados e multifacetados, uma fusão de elementos pré-hispânicos e cristãos. Sua transformação numa representação poderosa da sociedade mexicana mostra como certos fenômenos simbólicos geram, no interior de sistemas interétnicos, fusões neutralizadoras das diferenças, produzindo coerência, ao invés da persistência óbvia de posições e pontos de vista diversos. Ancorada em dois sistemas religiosos poderosos, com mitologias e cosmologias diferenciadas, a Virgem foi historicamente apropriada de diversas maneiras e por diferentes segmentos da sociedade mexicana.

Macunaíma não constitui um “símbolo nacional” tão importante quanto a Virgem de Guadalupe, no México. Mas, ambos correspondem a representações típicas da cultura do contato e são estruturados por processos vinculados tanto ao colonialismo quanto à formação dos Estados-Nação no Novo Mundo. Processos estes, onde as diferenças radicais entre os vários segmentos étnicos, integrados pela expansão ocidental, sempre foram um problema. Assim, Macunaíma e a Virgem remetem e procuram responder a uma questão central, um problema fundamental dos Estados-Nação: o que é que faz um mexicano, mexicano, ou um brasileiro, brasileiro? Sistemas simbólicos constituem meios importantes para a unificação de segmentos diferentes, vivendo sob o arco abrangente dos Estados-Nação. Benedict Anderson (1983) mostrou, por exemplo, a importância da língua na formação de “comunidades imaginárias” que evoluiriam para tornarem-se Estados-Nação. De fato, signos linguísticos provêem, de modo fundamental, o sentido de pertencimento de indivíduos e grupos a unidades sócio-culturais e políticas de qualquer escala. Compartilhar significados constitui pré-condição da cultura e da sociedade. Em sentido amplo, todas as comunidades são imaginárias. Os indivíduos só podem pensar em si mesmos enquanto membros de uma coletividade via meios simbólicos. Símbolos e signos são entidades sociais que invadem os indivíduos.

Na vida cotidiana os sistemas de significados mais pervasivos e efetivos são os linguísticos. Eles criam o que pode ser chamado de “ilusão linguística”, fonte de ansiedade individual/social. A ilusão linguística constitui o núcleo duro da contradição que se expressa na consciência de que é, ao mesmo tempo, uma individualidade irredutível que só pode existir na vida social. De fato, a língua carrega consigo a qualidade contraditória de ser, simultaneamente, um fenômeno abertamente social e uma experiência íntima radicalmente individual. Esta é a fonte — da sensação de ser um e, ao mesmo tempo, ser muitos — de ser e não ser.

Fonte: www.georgezarur.com.br

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