A correspondência passiva

Conferencista: Prof. Nestor Pinto de Figueiredo Jr.

O trabalho que estamos realizando sobre a correspondência passiva de José Lins do Rego é inédito, poucas pessoas o conhecem. Então, vou tentar trazer um pouco desse universo epistolar, de vários remetentes: Mário de Andrade, Jorge de Lima, Gilberto Freyre. São nomes que fizeram a história da nossa cultura, daí a importância desses documentos que revelam, em primeira mão, muitos assuntos que conhecemos posteriormente, através de publicações.*
A correspondência passiva de José Lins do Rego não está totalmente catalogada, porém boa parte já o foi, tendo sido inclusive publicados três catálogos como resultado desse processo. No arquivo de José Lins do Rego identificamos alguns missivistas que enviaram um número considerável de cartas, como é o caso de Olívio Montenegro e Gilberto Freyre. São os maiores correspondentes de José Lins do Rego. Gilberto Freyre tem 120 cartas; Olívio, 136 cartas. Outros - como Augusto Frederico Schmidt, José Américo de Almeida, Antenor Navarro, Gilberto Amado, Érico Veríssimo, Yan de Almeida Prado e Júlio Bello - estão numa posição intermediária quanto ao número de cartas remetidas a José Lins do Rego. Finalmente constam aqueles que enviaram um número relativamente pequeno, podendo-se apontar Graciliano Ramos, Aurélio Buarque de Holanda, Mário de Andrade, Vianna Moog, entre outros. A razão é simples: muitos desses remetentes conviveram com o José Lins - é o caso de Graciliano, de Aurélio.
Então, o número de cartas obviamente foi reduzido. Já Gilberto Freyre conviveu apenas um ano com José Lins do Rego, numa mesma cidade, durante o ano de 1923, quando se conheceram, até precisamente maio de 24, quando José Lins volta para a Paraíba, para se casar com d. Filomena Massa.
De uma maneira geral, as cartas revelam, em primeiro lugar, sua importância como fonte de pesquisa para entendermos de forma mais direta o homem e a obra, dentro do contexto da época. Mas são importantes sobretudo do ponto de vista literário, uma vez que vários documentos abordam não só a literatura produzida ou noticiada pelos remetentes, mas também a literatura produzida pelo romancista José Lins do Rego. Então, havia o hábito de os próprios remetentes comentarem suas obras, a de outros escritores e também a obra de José Lins. Boa parte dos assuntos que permeiam os documentos está voltada para a literatura, principalmente para a publicação de livros.
Verifica-se isso na correspondência de Gilberto Freyre. Constantemente Gilberto Freyre solicita, em relação a José Olympio, o andamento de publicações, "como está meu livro?", "já saiu o meu livro?". Entretanto, não se verificam esses mesmos comentários em relação à obra do romancista. Ele falava muito da obra dele mesmo, mais precisamente da que ele estava publicando ou produzindo. Mas não se ocupava em tratar da literatura que José Lins estivesse fazendo, sobretudo a literatura enquanto processo, daquilo que vem anteriormente. Daí a discussão, tratada nesse meu primeiro livro, sobre as influências de Gilberto Freyre em relação a José Lins, e vice-versa.
Diogo de Melo Meneses, em seu livro biográfico Gilberto Freyre, de 1944, ressalta que a relação entre o sociólogo e o romancista "é decerto uma das grandes amizades na literatura brasileira". José Américo de Almeida, em uma de suas crônicas, vai mais longe ao dizer que "a mais bela história de José Lins do Rego não é somente da literatura brasileira, mas das grandes amizades que glorificam um coração humano". E conclui: "A sinceridade que foi a marca de toda a sua obra era ainda mais viva nas relações pessoais."
Gilberto Freyre, ao comentar uma carta de José Lins do Rego, de 1952, cita algumas dessas amizades: "Quais os 'amigos verdadeiros', nossos, meus e dele, que então nos restavam? Vários. Dentre os mais antigos, Ulisses, meu irmão, Olívio Montenegro, Cícero Dias, José Olympio, José Américo de Almeida, Antiógenes Chaves, Luís Jardim, Waldemar Cavalcanti, Arnon de Melo. Entre os mais jovens, Odilon Ribeiro Coutinho."
Porém, muito antes desse texto de 1952, em carta de 28 de novembro de 1934, ao registrar a presença de José Lins do Rego no Recife, Gilberto Freyre permite-nos observar a importância da amizade para esses correspondentes:
"Meu querido Lins:
Sua carta recebi ontem - Olívio veio trazê-la em pessoa, com todo cuidado. Quem deixou saudades foi você, porque cada vez que você passa aqui uns dias, ressurge o antigo Lins, e quase ressurge a antiga amizade que o tempo, a distância, outros contatos desfiguraram um pouco. Seria bom, ótimo que nos reuníssemos para ver se definitivamente restauraremos aquela nossa amizade tão boa. Acho também que é aqui, comigo e com Olívio, que você deve morar. Convença Naná."
(Observação: na projeção, o conferencista colocou os trechos tal qual estão nas cartas; na transcrição, as citações receberam atualização ortográfica.)
Então, percebe-se aí a importância dessa amizade para Gilberto Freyre. É um depoimento. Ele reconhece que a distância, o tempo e outros contatos diminuíram a intensidade dessa amizade.
Um pouco antes, em carta de 31 de maio de 1927, do Recife, Gilberto Freyre mostrava, de forma bastante convincente, não só a importância mas sobretudo a necessidade dessa amizade. Há um trecho onde ele diz:
"Eu hoje já não me correspondo com quase ninguém. Tenho deixado que a distância vá empalidecendo muita amizade feita por este mundo afora, onde tenho deixado alguma coisa de mim - pois sou, com todo o esforço em contrário, um mutilado. Se pareço inteiro, é à custa de recomposições de bonacha. Mas isso para dizer o seguinte: que estimaria que também a sua amizade não fosse embora da minha vida. Se por umas miseráveis léguas, de um estadozinho do Brasil a outro (...) Escreva-me sempre uma linha ou outra, (...) - falta você, sua companhia, sua conversa - sem você, o Recife sempre me parece incompleto."
Vale ressaltar que José Lins do Rego, nessa época, morava em Maceió, Alagoas. Então havia, digamos, uma 'conspiração' de Gilberto e Olívio de trazer Zé Lins para o Recife, coisa que não aconteceu. Em 1935, ele vem para o Rio de Janeiro.
Muito se tem afirmado sobre essa amizade, principalmente para falar de influências, que certamente existiram, mas não da forma como chegou até nós. O certo é que eles foram amigos que se preocuparam mais em cultivar essa amizade do que em discutir literatura, como se pode verificar nas cartas que Gilberto enviou ao romancista paraibano. Além disso, na Paraíba, José Américo de Almeida, Olívio Montenegro, Anthenor Navarro, Ademar Vidal, Celso Mariz, entre outros, tomaram parte dessa troca de experiências, bem como aqueles que José Lins do Rego ia conhecer em Maceió e no Rio de Janeiro. O fato é que, ao longo das mais de cem cartas enviadas, em nenhum momento Gilberto Freyre indicou um número de página de qualquer obra de José Lins do Rego.
Algumas cartas nos possibilitam observar a maneira como José Lins do Rego era visto por seus correspondentes. Nesse sentido, a solidariedade é um aspecto bastante referido nos documentos, além do altruísmo no episódio do empréstimo que concedeu ao amigo Gilberto Freyre, quando do exílio deste, em 1930. Em uma das cartas de Olívio Montenegro, sem data, podemos verificar a impressão que tinha outro de seus grandes amigos:
"Li o seu artigo autobiográfico e achei ótimo. Ora, você é egoísta? Tinha graça. De quem teria sido tão extraordinária observação? Egoísta, se eu não me engano, é o sujeito que tudo põe em função de si mesmo: amizade, ciência, literatura, arte. Todas as preocupações, enfim. E todos os interesses. Um homem que não tem humildade e que não se comove, senão com os seus triunfos e as suas necessidades. Nunca v. como homem, deixou essa impressão aos seus amigos, e nem como escritor aos seus leitores. Os egoístas são premeditados, e por menos que pareça, frios, calculistas, e mentem. Confesso que tenho alguns predicados desse tipo de homens, mas nem todos, e nem os mais odiosos. E você, nenhum, ao que me parece. Os homens espontâneos e capazes de humildade, e que não estão sempre em atitude de juiz em relação aos outros, não podem ser egoístas. Os que não reclamam direitos pela sua maior perfeição sobre os demais. Os que sentem irmãos no meio dos menos irmãos, e essa é uma de suas melhores virtudes."
Este, portanto, é um importante depoimento de um amigo, muito amigo por sinal - Olívio Montenegro. Olívio, sim, estabelece um certo diálogo com José Lins, em termos de literatura. Ele discute a obra de José Lins.
Ao longo da correspondência passiva de José Lins do Rego, verificamos um número razoável de registros e elogios ao autor de Gordos e magros e A casa e o homem, dentre outros livros que formam sua produção fora do romance. Gustavo Capanema, outro grande amigo, em carta de 29 de julho de 1948, demonstra toda sua gratidão por um artigo de José Lins do Rego na imprensa:
"Querido José Lins do Rego:
Devo a você a mais carinhosa palavra de agradecimento. O artigo de outro dia é de uma tal bondade, de um favor tão extraordinário e imerecido, que fico sem modo de te exprimir o meu agradecimento. Você, o grande José Lins do Rego, com a sua autoridade de demolir ou consagrar seu talento, pega o pobre do seu Capanema e o põe nos cornos da lua."
Essa gratidão foi expressada de forma bastante eloqüente em carta de Augusto Frederico Schmidt, de 1949, onde se defende de acusações graves a respeito de sua conduta:
"Meu caro José Lins do Rego:
Nesta hora em que me vejo, apenas porque sou verdadeiro e sincero, vítima de uma concentração de ódios e de calúnias, grato me é confessar-lhe a minha emoção pelas suas nobres palavras inseridas n'O Globo de há poucos dias.
(...) Dos meus muitos amigos, além de uns rapazes generosos que me enviaram mensagem expressiva, só você teve palavras nobres, reconfortando-me nesta conjuntura. Você, que nada me deve. Você, que diverge de mim em muitas coisas, não creia porém que a sua atitude desmerecerá a sua glória de romancista, nem o seu renome de homem de bem."
O início da década de 40 foi uma fase particularmente difícil para Gilberto Freyre. Com a doença do irmão Ulisses e a perda da mãe, além das perseguições dos padres jesuítas e do então interventor do Estado de Pernambuco, Agamenon Magalhães, conforme revelado em cartas de 1942 e 43. Em uma dessas cartas, encontramos a seguinte frase de Gilberto Freyre, ressaltando a importância da amizade de José Lins do Rego: "Tenho encontrado cartas suas cheias de grandeza da sua amizade, que tanto tem significado para mim, e cheias de sua grandeza total."
Aqui vemos, mais uma vez, a preocupação de Gilberto em revelar essa grande amizade, de ressaltar sua importância. Daí que eu insisto: a relação epistolar Gilberto Freyre - José Lins do Rego muito se concentra na amizade, e muito pouco em assuntos literários. Não há ali aquelas aulas de literatura, como alguns já afirmaram, de Gilberto Freyre para José Lins, embora Gilberto, no início de sua formação, tenha estudado, nos Estados Unidos, com professores que lhe deram certamente certas noções.
Mas, através das cartas, também verificamos momentos de tensão entre esses mesmos amigos. Em uma carta do início da década de 40, talvez 43, Olívio Montenegro faz referência a artigos de Gilberto Freire onde o sociólogo apresentava algumas considerações sobre os amigos. Com sua veia de crítico literário, passa a discorrer sobre o assunto:
"Há muito que não vejo Gilberto, isto é, há uns vinte dias. A última vez em que estivemos juntos, na rua, ele estava suave e bom, como nos grandes dias de nossa amizade. Depois, com surpresa, li dele uns artigos orgulhosos, cheios de alusões fortes contra velhos amigos, e onde não me vi claramente excluído. Não odiei os artigos, acho que pela vivacidade e o estilo que me fizeram lembrar a fase de 23. (...)
Nunca olhei para os seus defeitos, tanto desde a primeira hora em que você me levou a ele, na confeitaria Biju - ele de smoking, os olhos ardendo de champanhe tomada num jantar de um velho hoje cretino - me encantou o que nele vi de novo, de diferente dos outros.
Os amigos não são para se estudar e decorar como compêndios de moral e cívica, nem tampouco para serem observados e decompostos como cadáveres. Não há pedaços de amigos, separando o lado bom e o mau. Quando se começa nessa distinção, é que a amizade vai fugindo, ou que não há mais amizade."
Interessante é contrastarmos com outra definição do mesmo crítico, em seu livro Folhas ao vento, edição póstuma, de 1969, publicada pela Universidade Federal do Pernambuco, onde ele afirma: "A verdadeira amizade significa nada menos do que uma vida emocional e mental a dois, que quer dizer uma intensificação enorme da vida."
O cenário político era freqüentemente abordado nesses documentos. Gilberto Freyre sempre reservava umas linhas para falar no assunto, embora se declarasse avesso a ele, ao dizer que não entendia dessas coisas de política. No entanto, não se verifica, nas cartas, a alienação pretendida, sobretudo porque Gilberto Freyre aparece no texto epistolar como um colaborador entusiasmado na campanha de José Américo de Almeida à Presidência da República, em 1937. Some-se a isto o fato de ter sido deputado federal constituinte, nove anos mais tarde, em 1946.
Só para citar alguns exemplos, na carta de 28 de junho de 1937, lemos:
"A situação do nosso José Américo em Pernambuco é ótima. Falta é organização financeira. Acho que deveria haver um jornal da manhã, além do Diário da Manhã, que aliás vai fazendo bem à campanha e terá agora uma espécie de orientação intelectual de Olívio."
Em outra carta de 1937 ele volta a falar sobre a campanha e sobre o papel da imprensa:
"Os jornais é que não estão muito impregnados do espírito de campanha. Sugeri e consegui que Olívio dirigisse a colaboração de elementos novos, ou com nomes ou como editoriais. E isto está melhorando a situação da fraqueza de espírito de campanha daqueles jornais. O pessoal mobilizado é o melhor."
A política da Paraíba também se faz presente em texto epistolar. Em carta sem data, talvez de 1926, Olívio Montenegro aborda os acontecimentos políticos da Paraíba, ao comentar a nomeação de José Lins do Rego para exercer a função de fiscal de bancos em Maceió:
"Anthenor contou-me as complicações diplomáticas que envolveram a sua nomeação de fiscal de banco. Uma nomeação que fez febre aos políticos da Paraíba. Como são excitáveis os políticos de nossa terra! O Suassuna, pelo que ouço contar, está realizando um fino programa de governo. Fala-se que ele terá como sucessor o dr. Luís Lyra, que já é chefe da política. O dr. Lyra, como sabe você, é na Paraíba uma das admirações mais convencidas do Suassuna. É um moço que tem gravidade e que tem inteligência - ouvi uma vez ele dizer."
Anthenor Navarro, referido no trecho acima, também escreveu sobre o assunto na carta de 26 de abril de 1931, em que comenta a então recente morte de João Pessoa e as conseqüências históricas desse acontecimento:
"Demos todos os descontos que a política brasileira exige. O crime contra a Paraíba, contra João Pessoa, sob qualquer aspecto, cresce de gravidade."
Mas a literatura é, sem dúvida, o grande tema de boa parte dos documentos. São vários os momentos em que os correspondentes falam sobre o que eles, os outros autores e José Lins do Rego produziam. Nas cartas do crítico literário Olívio Montenegro, por exemplo, encontramos um interlocutor que discute o processo de criação das obras de José Lins do Rego. O crítico literário, de fato, estabelece um diálogo a partir das cartas, sobre este aspecto, embora igualmente não deixe de tratar da amizade que os ligava desde 1918 e da intensa atividade política em que vivia o Brasil desde as primeiras décadas do século XX.
Através dos correspondentes estrangeiros, poderemos acompanhar alguns lances do processo editorial de obras, como a tradução para o francês de Menino e engenho, feita por J.W. Reimes, e publicada em Paris, em 1953, pela Deux Rives. O livro foi prefaciado por Blaise Cendrars. Nas duas cartas conhecidas do tradutor, de 22 de agosto e 4 de setembro de 1952, há uma referência ao envio da nova versão da tradução para o francês e da possibilidade do referido prefácio, quando o tradutor diz: "Nós pensamos em Blaise Cendrars para prefaciar o seu livro." A obra de 32, que inaugurava a trajetória do escritor José Lins do Rego, repercutia também no estrangeiro.
A tradução do livro era tema das cartas desde 1933 - o livro fora lançado em 32 e já um ano após os editores estrangeiros manifestaram interesse no primeiro livro de José Lins. Aliás, há uma curiosidade em relação a esse livro. Foi publicado pela A. & Ersen Editores, do Rio de Janeiro, e foi o terceiro livro publicado por essa editora, do Aisen e do Ersen.
Entretanto, a informação conhecida - em relação à tradução inglesa - é de que o livro só foi publicado em inglês em 1966, em Nova York, na edição conjunta dos romances Menino de engenho, Doidinho e Bangüê. O título era Plantation Boy, traduzido por Emmi Baum e editado pelo inglês Alfred A. Knopf. Em carta de 2 de janeiro de 1945, Gilberto Freyre informa: "Mostrei, ou creio ter mostrado ao Knopf que não se compreende você não ser traduzido para o inglês imediatamente. Creio que você vai receber breve cartas deles."
A tradução em língua espanhola aparece comentada na carta do diretor gerente da Emecé Editoras S.A., de Buenos Aires, em 1943, em que o remetente trata dos direitos de publicação de Menino de engenho na coleção "Nave de America". O livro Niño del ingenio saiu pela editora só em 46, traduzido por Raúl Navarro.
O livro Cangaceiros é assunto de algumas cartas de editores estrangeiros interessados nessa obra de 1953. Traduzido na França (1956), Espanha (1957), Alemanha (1958), Rússia (1960), o romance é referido nas cartas do alemão Friedrich Reichardt e do espanhol Andrés Fernandes Romera. O primeiro nos dá importante testemunho do livro estrangeiro nos países de fala germânica, na década de 50. Em carta de março de 1958, ele diz:
"Uma vez, aqui, notei nas pequenas bibliotecas dos meus parentes, na Suíça e no sul da Alemanha - todos eles empregados e pequenos comerciantes - grande número de livros estrangeiros, mas nenhum brasileiro no meio deles. Nas exposições das livrarias, verifiquei a mesma coisa. Foi aí que veio a Ideia de contribuir, dentro das minhas possibilidades, para o conhecimento de autores brasileiros nos países de língua alemã."
José Olympio, o terceiro e definitivo editor de José Lins do Rego, em carta de 1936, permite-nos observar - em relação aos romances - um pouco da dinâmica editorial de então, sobretudo em relação à qualidade dos livros e o seu vigor comercial:
"Preciso realmente de fazer esses negócios com os governos. Você sabe, Seu Zé, o dinheirão que custa um livro, e eu preciso desfazer-me desse stock de Filosofia da arte, etc. etc. etc. São livros bons, excelentes, ninguém pode negar. Mas o público não gosta, não quer saber deles. Quer mesmo é troço policial, baboseiras. Paciência!. Mas temos que enveredar também por esse caminho. Não deixarei de fazer os bons livros; a propósito, você deve ter sabido, em Alagoas, que o livro da Rachel veio para você. Pois bem, diga a ela que já está na máquina. Meio fracote o livro, mas não faz mal."
José Olympio, ainda na mesma correspondência, faz apelos e dá dicas sobre como promover lançamentos de livros, mostrando que José Lins do Rego não foi apenas um autor editado pela José Olympio, ou um simples amigo, mas também um importante divulgador e um negociador competente:
"Escrevi ontem a você lá para as Alagoas, ao cuidado de Gilberto Nogueira. Escrevi pedindo-lhe que fizesse força, muita força, muita mesmo, a fim de conseguir os negócios com os governos de Alagoas e Paraíba. Você escreveu que conseguiu 50 por cento deste, mas veja se faz com que eles 'repiquem a parada". Isso é termo de pôquer. D. Naná deve saber.
(...) O que você arranjou para nós fazermos o negócio com Pernambuco? Que diabo, você com tamanhos amigos aí, não pode ver isso? Faça fazer valer o seu grande prestígio! Fora de caçoada, veja se pode arranjar isso também."
Então, percebe-se por esses trechos a importância que José Lins tinha para o próprio José Olympio. Vê-se isso também na correspondência de Gilberto Freyre. Gilberto sempre estava a solicitar que José Lins conseguisse resolver qualquer problema: perda de originais, demora na saída de livro, "cobre ao José Olympio". Enfim, Gilberto fazia uso desse recurso.
As notícias da literatura chegam de várias formas. Além das traduções da obra de José Lins do Rego, entre os remetentes brasileiros havia comentários de suas próprias obras, como, por exemplo, Graciliano Ramos, na carta de 14 de junho de 1935, ao falar do processo de escritura de Angústia, publicado no ano seguinte:
"Tenho lido pouco e escrito menos, José Lins. Chateado, aporrinhado. Não vale a pena você anunciar nos jornais isto que estou escrevendo. Acho muito devagar, nem sei se chegarei ao fim. Um capítulo por mês, dois. Não termino a história, não, José Lins. Ainda não nasceu e já está de cabelos brancos."
Como se vê, Graciliano reclamava muito, estava sempre a lamentar.
José Américo de Almeida também revela um processo semelhante e muito mais lento na escritura de A bagaceira. Em carta de 16 de junho de 1924, a José Lins do Rego, Gilberto Freyre registra sua expectativa em torno do livro. Ele diz: "Estou ansioso pelo Bagaceira. Que título feliz! Um título assim dá sabor a um livro." Em várias cartas, de anos diferentes, o próprio José Américo de Almeida falava da feitura do livro: "Tenho remoído A bagaceira, para escrevê-lo de uma assentada. Por todo o mês de julho, arredarei para isso outra qualquer preocupação", dizia ele em carta de 20 de junho de 1925. Publicado o livro em 28, o autor, em carta de 15 de abril daquele ano, comenta uma série de artigos de José Lins do Rego sobre a obra, registrando sua repercussão. Diz José Américo:
"Os dois últimos [artigos], porém, são magistrais, principalmente o quarto, que é de uma beleza e uma penetração admiráveis. Vou mandá-lo a Tristão de Ataíde, que me tem escrito constantemente, enviando-me tudo o que vai saindo no Rio sobre A bagaceira.
(...) Recebi ontem um telegrama do seu caro [Raul] Bopp, nos seguintes termos: 'Bagaceira fantástico, ultrafabuloso. Abracíssimos.' O Mário de Andrade disse ao Anthenor que vai escrever um artigo baita sobre A bagaceira."
Verifica-se, aqui, a movimentação de José Américo no sentido da divulgação de seu livro, coisa que até hoje se tem dificuldade, quando se publica um livro. A repercussão ainda se faz sempre a partir do Rio de Janeiro.
A obra de José Lins do Rego é freqüentemente referida, em alguns casos superficialmente; noutros, com entusiasmo e elogios. Júlio Bello, em carta de 1932, acusa o recebimento do primeiro livro do romancista e fala da impressão que a obra lhe causara:
"Menino de engenho, há coisas no seu livro que me parecem páginas que eu nunca escrevi de memórias de minha vida de menino de engenho, já hoje um velho senhor de engenho e nada mais. Como é bonita aquela descrição da cheia do Paraíba! Bonita, quase sem frase bonita., sem pompa e sem artifício. Naturalmente bonita."
Waldemar Cavalcanti, em 27 de junho de 1935, apresenta um extenso e interessante comentário sobre outro livro de José Lins do Rego, ocupando quase a metade de sua carta:
"A impressão que me deu o Moleque Ricardo foi a de que você nos deu mais um grande livro, sem a grandeza talvez do Bangüê. Afinal isso de se fazer paralelo entre os dois livros me parece artificial: eles se articulam em esferas diferentes de ação. Um é a vida rural; outro é a vida da cidade. Erro esse de comparação igual ao dos que quiseram pôr em confronto Menino de engenho e Doidinho. O paralelo gira em torno de um ponto de concentração, o autor. E partindo daí todo o esforço crítico, no confronto, é um exercício da pior qualidade, puro diletantismo de quem aprecia justificar num plano igual volumes diferentes. A observação que fiz na carta anterior, a respeito do fato de em sua obra a morte ser o elemento grandioso - leit-motiv de que você consegue sempre tirar efeitos de intensa emoção. Desde o Menino de engenho -, essa observação se confirmou, mais uma vez, com a leitura das últimas páginas do Moleque Ricardo.
(...) está é precisando de revisão.
Naturalmente você já o passou para as mãos de Armando Fontes ou outro."
Armando Fontes também comenta a obra de José Lins, embora de forma menos intensa, mas igualmente reveladora da opinião do autor de Os corumbas (1933), na carta que escreveu em 9 de dezembro de 1933:
"Recebi sua carta, e, por intermédio de Waldemar Cavalcanti, o seu delicioso Doidinho. Sou muito grato às suas palavras a respeito d' Os Corumbas.
Gostei muito do seu segundo livro. Tanto quanto do outro. Você não é só um cronista admirável, um memorialista encantador. É também um romancista de traços nítidos e firmes, inteiramente senhor de todos os segredos e recursos da difícil arte. O ambiente do Santa Rosa (eu também fui 'menino de engenho', criado por meus avós, pois meu pai ao morrer deixou-me com meio ano de idade) o velho Zé Paulino, tio Juca, tia Sinhazinha, o ambiente do internato, Seu Maciel, Maria Luiza, Maria-menina, Coruja, Pão-duro, Seu Lula e outros, são criaturas vivíssimas, destinadas a uma vida muito longa em nosso romance.
O Seu Carlinhos - cujo desenrolar de destino nós todos aguardamos com ansiedade -, esse merece lugar de destaque na ficção brasileira.
Gosto muito também da piedade verdadeira, da ternura imensa com que você sempre se refere aos moleques do engenho, aos moradores, a todos os que passam o dia com uma mancheia de farinha e nacos de bacalhau ou de jabá, trabalhando doze horas na limpa ou na planta."
Jorge de Lima, por sua vez, além do tema literário, onde critica alguns livros de José Américo de Almeida, faz revelações interessantes sobre o amigo paraibano, sobretudo na carta de 10 de fevereiro de 1935, onde lemos:
"Não sei porque você não gostou de minha opinião sobre o livro de Gilberto [Casa-grande & senzala]. Gilberto sempre desdenhou de literatura. Creio mesmo que ele considera a sua obra como ciência. Ora como ciência outros livros mais importantes apareceram ano passado. Na minha modesta opinião, o prêmio devia ser para um livro de literatura como o seu Bangüê ou o livro de Carlos Drummond, etc. Mas isso não vale nada. Não sou eu quem dá nem tira o valor da obra de ninguém. Mas quem botou mocô no prêmio em favor de Gilberto foi o gordinho Schmidt. Você não avalia o que ele fez. Disputou, anunciou, provocou um escândalo bruto de cabala, ele o editor! - resultado: a coisa deu em chantagem comercial. Safadeza do Schmidt, que coloca sempre o dinheiro adiante de tudo. Posso garantir que essa história ficou tão antipática devido à intromissão de Schmidt que se o próprio Gilberto estivesse aqui, desistiria da candidatura ao prêmio, com tal cabo eleitoral.
Mas viva a nossa amizade e que Schmidt se fornique por todos os séculos amén. Zé Américo deu novos livros. Desses li apenas um - Coiteiros. E estou sem vontade de ler os outros, pois a impressão que me deu esse livro de nosso amigo foi uma descrença absoluta nas possibilidades do escritor. É um livro chato, parece estréia, com estilo de Celso Vieira, dizendo coisas da seca, descrevendo paisagens como um colegial. Depois, sem a consistência de A bagaceira. Um livro fraco."
Graciliano Ramos, em carta de 27 de outubro de 1935, ao comentar o livro de Jorge Amado Jubiabá, faz uma rápida comparação com o Moleque Ricardo:
"Li o livro do Jorge Amado e achei-o admirável, especialmente o capítulo da sentinela, uma das melhores coisas que tenho visto. Magnífico o Antônio Balduíno. Eu queria saber com que cara o Otávio de Faria leu aquilo. Há pouco tempo ele disse que o Jorge era um literatinho e que não devia meter-se a escrever romance. Excelente conselho, caridade católica. Enfim o livro é ótimo. Tão bom que aqueles documentos inúteis, anúncios de circo, etc. não o prejudicam. Mesmo a preocupação de fazer romance de classe não penso que no livro de Jorge deforme a realidade, como lhe parece. Você também fez literatura revolucionária. É certo que adaptou processos diferentes, mas chegou-se muito aos trabalhadores, e o seu livro não perdeu por isso. Afinal, todos vão marchando para a esquerda, cada qual no seu caminho. Essa coisa de andarem todos juntos, imitando Cimento e outras besteiras, é que é pau. Como vai seu novo romance? É a volta ao Carlos de Melo e aos outros brancos? Ou vai mexer com a gente da bagaceira?"
De Olívio Montenegro temos alguns documentos que indicam um diálogo literário entre os dois correspondentes, uma vez que em aproximadamente um terço do total de cartas que o crítico literário enviou para o romancista, encontram-se referências à obra de José Lins do Rego, não apenas alusões, mas comentários, críticas, sugestões, ressalvas, indicações de páginas, de manuscritos, etc. Observemos apenas dois exemplos dessas cartas, que por hábito do remetente não costumavam vir com data. A primeira se refere a Menino de engenho e a segunda a Moleque Ricardo:
"Aparasse você um e outros defeitos de expressão, que são fáceis de notar, parece-me, nas páginas onde pus [ilegível] a lápis (...).
Mas se eu me alongo na carta, perco matéria para o artigo. À página 74 do manuscrito, eu modificaria a expressão: 'O Leão do Norte rugia por todas as partes' porque também pode se prestar a uma interpretação fescenina."
As relações que José Lins do Rego manteve com o grupo literário do Sul e do Sudeste do país, também, geraram cartas que tratam da obra do romancista de maneira muito generosa, no tocante ao conteúdo revelador. Pelo menos três autores do Rio Grande do Sul comentam a obra de José Lins do Rego. São eles: Érico Veríssimo, Augusto Meyer e Telmo Vergara.
Érico Veríssimo, na carta de 22 de dezembro de 1947, adverte o romancista em tom profético, em função do sucesso editorial de Eurídice:
"Tenho sabido notícias do êxito de livraria de Eurídice. Isso vai mudar sua vida. Os críticos começarão a desconfiar de você. Passarão a achar que você agora não é tão sério como era antes. Que tolice! Juca é um homem bom, mas infeliz; todos o acham muito decente. Um dia o Juca - o mesmo Juca, sem mudar nada - passa a ser feliz, e isto basta para que comecem a achá-lo um péssimo sujeito. Mas não há de ser nada. Você verá como ao cabo de algum tempo a gente fica com pele de crocodilo e não sente mais as frechadas que nos dão."
Augusto Meyer, em carta de 34, por sua vez, além de citar trechos e páginas, ao comentar Doidinho, dentro do contexto dos três primeiros romances de José Lins do Rego, também fala da sua identificação com os temas, além de revelar interesse em conhecer o processo criativo do romancista, em tecer um comentário crítico sobre a ficção nacional:
"Doidinho foi para mim uma alegria. Você dá às coisas um sabor de presença e realidade concreta, que parece feitiçaria. Sensação viva de presença. Você, José Lins, disse uma porção de coisas que todos nós, guris de então, sentimos e sofremos. O que eu sinto é gratidão, o que eu quero dizer também é que, no meio de tanta ficção arranjadinha, o seu livro cheira a suor - o suor da verdade. Já lhe contei que tive de engolir tudo, até alta madrugada, sem parar, esquecido de tempo e espaço. E como você conseguiu botar o passado no presente... Queria (curiosidade natural) saber como é que você construiu o seu romance. Pois é um só, Menino de engenho 1, Doidinho 2 e Bangüê 3 - saber os limites entre autobiografia e ficção, - isto me interessa muitíssimo."
Telmo Vergara, nos documentos conhecidos, comenta sua própria obra, embora reservasse um espaço nas cartas para fazer o mesmo em relação aos livros do amigo paraibano. Em uma dessas cartas, de 28 de setembro de 1935, dedica quase a carta inteira, quer para comentar a verossimilhança das personagens em O moleque Ricardo, quer para compará-lo com os três primeiros romances do autor, ou ainda fazer pertinentes observações em torno da força das personagens ou do limite entre a criação e o engajamento literário:
"Não sei se já lhe disseram: para mim uma das coisas que caracterizam o grande romancista é que, bem analisada, a ternura, o coração - é a força dos pequenos personagens, dessa gente que pouco aparece no livro, que às vezes nem contracena. Pois isso você possui de sobra. Cito o irmão do Moleque, gritando de bracinhos estendidos: - Cardo! Cardo!
Agora, uma razão particular, que me fez acreditar ainda mais na sua capacidade de criador. Você, quando escreveu esse livro, em que aparecem proletários, não tomou parti pris, o que para mim indica elegância de escritor. Você, não tomando parti pris, no meu entender, não se colocou de um lado só, e portanto não mentiu, não disse que só o que era proletário é que prestava, e que o que era patrão era digno do inferno. Haja vista o seu Alexandre, chorando pela mulher. Enfim: você não é dos que escrevem livros de tese, essa cousa fora da arte. Você escreve, juro, porque sente uma orgânica, misteriosa e inexplicável vontade de escrever, de contar destinos..."
Já o autor de Os três sargentos, o paulista Yan de Almeira Prado, que costumava usar o pseudônimo de Aldo Nay, trata em carta de assuntos mais práticos, ainda que ligados à literatura. Em carta de 1933, comenta a possibilidade de José Lins do Rego, com o Menino de engenho, vir a ganhar o prêmio da Fundação Graça Aranha, como de fato ganhou, naquele mesmo ano, aproveitando a ocasião para dar uma alfinetada na intelectualidade carioca:
"Um prêmio sempre serve para a extração de um livro, mormente em se tratando de obra de valor, pois é tão mal compreendida no Brasil. O ambiente no Rio é assim mesmo, todo feito de capelinhas e associações de elogio mútuo. Os autores que moram fora da capital, em geral, não são muito simpatizados. Às vezes sofrem guerra surda, quando têm talento. Por isso eu muito gostaria que você recebesse o prêmio, independentemente das intrigas dessas igrejolas
(...) Ia me esquecendo de lhe contar que um livreiro daqui me disse ser o Menino de engenho o livro mais apreciado do ano, segundo ele pôde verificar através da conversa de seus clientes. Por aí vemos que, mesmo sem prêmios, o valor é reconhecido."
Mário de Andrade, em carta de 26 de janeiro de 1942, escreve com entusiasmo sobre o trabalho do romancista, ao comentar o livro Água-mãe:
"Meu caro Zé Lins:
Estou acabando a leitura de Água-mãe, e venho lhe dar um abraço. O livro está ótimo, com as qualidades pessoais suas em plena forma e assunto muito bem aproveitado. Nas últimas cem páginas, com dosagem segura, você consegue manter a gente numa angústia danada. Em si o livro é ótimo.
Porém, o que mais me interessa é a significação que vai tomando a sua obra. Dentro desta significação esta Água-mãe tem uma importância singular. Com ele você acrescenta mais um tema da economia brasileira, da parte que você conhece. Com ele você enriquece a sua galeria de personagens brasileiros. Com ele você define melhor que em qualquer outro de seus romances o desequilíbrio entre a atualidade e a tradição.
Vai continuando, seu Zé Lins, por favor vai continuando. Eu estou convencido mais que nunca que, além do valor singular de cada um dos livros de você, um dia hão de perceber assombrados a importância vasta do conjunto da sua obra. Você está fixando, mais do que qualquer sociólogo, um período da vida brasileira, o caráter de uma sociedade e a significação crítica de uma tragédia mesquinha e implacável."
A eleição e posse de José Lins do Rego na Academia Brasileira de Letras também mereceram alguns documentos, grande parte, aliás, parabenizando o romancista. Não faltaram, entretanto, cartas com temas de bastidores, a exemplo das correspondências de dois acadêmicos. O primeiro, Vianna Moog, na carta de maio de 1955, de Nova York, comenta a notícia de que a candidatura do romancista à Academia havia sido apresentada:
"Não creio que a tua candidatura encontre resistência. Entretanto, se isto se verificar - quod Deus avertat [que Deus não permita, acho] - aí estarei de mangas arregaçadas para fazer força a teu favor, ou melhor, a favor da Academia."
Raymundo Magalhães Júnior, jornalista cearense, que havia desistido de sua candidatura à Academia, em prol da candidatura de José Lins, em 1955, mas que foi eleito no ano seguinte, nos dá um interessante depoimento sobre o andamento do processo eletivo:
"Meu caro José Lins do Rego:
A política acadêmica está fervendo. E considero um dever meu dar-lhe o aviso do que acontece, lealmente. Surgiu uma nova candidatura: a do dr. Waldemar Berardinelli, apoiada em acadêmicos que são médicos e professores de medicina. O Peregrino, que é seu amigo, como é meu, considera que seria um desprimor, para o grupo que o apóia, vir a ser derrotado, depois do compromisso que assumiu para com você. Mas o concorrente está trabalhando com muita força, prevalecendo-se de sua ausência. Por outro lado, queixam-se alguns de que você está se mostrando 'desinteressado', que viajou para o estrangeiro sem ter feito as visitas protocolares, etc. Acho que você devia abreviar o seu regresso, para tratar desses detalhes, desmanchando tais explorações.
Foi-me apresentada a situação de forma um tanto alarmista: falaram-me até na reapresentação da minha candidatura, para efeito de conduzir a um 'impasse', caso você permaneça ausente até a data do pleito. É uma hipótese que me repugna, não só por já ter desistido em homenagem a você, como porque o papel de 'atrapalhador' é um papel antipático. Prefiro, mil vezes, que você, avisado, venha e cuide de sua eleição, impedindo que seja eleito quem não é verdadeiramente um escritor."
Mas é do pintor Cícero Dias o toque de ironia ao comentar o discurso de posse de José Lins do Rego na Academia, no qual o romancista teceu críticas ao seu antecessor, o Ministro Ataulfo de Paiva:
"Recebi o seu discurso sobre o Ataulfo. Já o mostrei a Geanini, que adorou. Você fez do Ataulfo uma figura de romance carioca com hábitos franceses, o que era comum aos freqüentadores da Lallé Cave ou o Alvear, muitos Ataulfos passaram por lá.
Grande discurso, o seu na Academia. Despido de coisas comuns, tão bom e melhor do que o de Cocteau na Academia em Paris."
A posse, que ocorreu em 15 de dezembro de 1956, foi registrada por José Américo de Almeida no seguinte telegrama: "Esse seu grande dia é ainda maior para a Paraíba, que vê seu nome como única consagração que lhe faltava."
A partir da leitura desses trechos, podemos perceber o valor dos documentos, principalmente quando passamos a colacioná-los com cartas de outros autores participantes desse mesmo universo intelectual, sobre o mesmo tema, onde verificamos que a correspondência passiva de José Lins do Rego constitui, de fato, uma rica possibilidade para a historiografia, para a crítica literária e, sobretudo, para futuras biografias. Isso porque existe no texto epistolar desses correspondentes vários trechos onde encontram-se análises de obra, opiniões, comentários, algumas vezes esboçados em cartas e publicados posteriormente, através de artigos e ensaios. Esse valor, aliás, está legitimado pela sua própria natureza, na medida em que estamos lidando com fontes primárias, documentos originais, na maior parte inéditos e cheios de informações reparadoras. É dessa forma que, aos poucos, surge das cartas um texto bastante representativo de uma época de nossa formação cultural, principalmente no que tange à literatura, muito mais autêntico. Muito mais revelador.
(24 de abril de 2001)
Fonte: academia.org.br