Benito Pérez Galdós

Em geral, uma leitura leva a outra. Li Whitman por insistência de Henry Miller. Me aventurei por Kafka depois de muita insistência do Kundera. Encarei Grande Sertão: Veredas por causa de uma indicação do Veríssimo. E por aí vai.
Mas Galdós entrou em minha vida totalmente por acaso. Estava em um saldão de importados, vi um paperback espanhol com uma capa interessante, pintura de Goya, um livro desconhecido, um autor desconhecido, a contra-capa dizia que Galdós era o maior romancista espanhol depois de Cervantes, estava barato, comprei.
Cheguei em casa com uma pilha de livros do saldão. Muitos eram livros que eu buscava há anos, pelos quais pagara caro. Vocês podem ficar certos que esse romance desconhecido, de autor desconhecido, não-recomendado, iria direto para o fim da minha fila de leitura, seria um daqueles romances que eu olharia pro lado, na mesinha de cabeceira de meu leito de morte, e diria: puxa, esse eu nunca consegui ler.
Mas tenho um ritual pós-compra-de-livros que consiste no seguinte: eu sento numa poltrona confortável, pego aquela pilha de livros (nunca compro um só) e dou uma geral completa. Sei que muitos livros eu, infelizmente, vou morrer antes de ler. Sei até que é possível que eu esteja pegando alguns daqueles livros pela primeira e última vez. Então, leio a contra-capa, as orelhas, alguma introdução ou prefácio, se houver, e as primeiras páginas.
Pronto. Depois de ler as primeiras páginas de Misericordia, de Galdós, eu já não queria parar mais. O homem é muito, muito foda. Engraçado, perspicaz, sacana.
Seus livros seguem bem aquele o realismo do final do século XIX, com todos os defeitos inerentes a isso, mas também com as qualidades maximizadas ao limite. Sua obra-prima, Fortunata y Jacinta, é reconhecida, por muitos que a leram, como o auge do romance realista. Outros podem ter chegado ao seu nível, Dom Casmurro, Os Maias, etc, mas não dá pra ir mais longe e ainda ser um romance realista. É simplesmente avassalador. Depois de ficar três semanas mergulhado nas suas mil páginas, eu me sentia conhecendo mais a Madri do final do século XIX do que o Rio de Janeiro de começos do século XXI.
Seus últimos livros, como o Misericordia que li primeiro, já começam a, aqui e ali, transgredir os limites do realismo, mas infelizmente o autor não viveu o suficiente pra levar esse processo à sua conclusão.
É uma pena que não seja celebrado pelo mundo a fora tanto quanto o é na Espanha. Ele merecia. Encontrei só um livro dele em catálogo aqui no Brasil: As Novelas de Torquemada, pela Paz e Terra, um volume reunindo os quatro romances protagonizados por Torquemada, não o famoso inquisidor, mas um homônimo agiota espanhol.


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