Frenesi

Autor: Adriano Saraiva

O destino oculta armadilhas como um apólogo zombeteiro esgueirando-se nas diáfanas sombras do inferno. Minha existência... Uma fábula pestilenta escarrando todo o seu cruel escárnio na minha face. Tédio, solidão, cansaço da vida... Preciso sair ou vou morrer, melhor, me matar. As paredes me sufocam, a claustrofobia que nunca tive me atira rua a fora. Na calçada espaireço na noite. O vento frio corta meus lábios. Dirijo-me automaticamente para um bordel. Um imã atraindo pregos tortos e enferrujados. Pedaços de ferro-velho que perderam sua utilidade para o mundo. Não sei ao certo o que procuro, talvez tente apenas achar a vontade de acordar todas as manhãs, ou melhor, todas as tardes.
O estabelecimento é de quinta categoria, não me importo. A moça se aproxima, recuso. Tenho direito a uma cerveja desde que paguei para entrar e esta me basta por hora. Contemplo olhares perdidos. Um lago a refletir meu estado de derrota. O destino é impiedoso com os fracos. Observo as garotas. Corpos lascivos e desejos fingidos. Epígrafe de uma noite “maravilhosa”. Sem preâmbulos... Desisto da cerveja, que ainda não veio, e peço uísque. Uma mulher convida-me para dançar. Mulher não! Uma menina, dezoito no máximo. Vamos até a pista. Sotaque forte. Ela me diz que é chilena. Tênue e insignificante persistência, não quero dançar. A garota é um monumento, provavelmente a atração principal da casa, mas tem um óbito em seus braços. Saio. Ela não entende. “Nunca ninguém me deixou assim no meio da boate”. Foda-se. Volto ao meu lugar. A chilena já procura outro cliente. Vadia! Também queria o quê? Quase esqueci onde estava. Uma loira chega perto. Pago-lhe uma bebida e conversamos. Pergunta se quero trepar, digo que não. Indaga se é pelo dinheiro, respondo que sim. Ela sai e eu vou embora.
Novamente estou caminhando, banho-me nas lágrimas das estrelas enquanto sinto o abraço frio do vento que me acolhe no seio da noite. Aproximo-me de um boteco fedido, povoado por pequenos e inúmeros camundongos. Peço um trago e vou ao banheiro. As paredes descascadas contrastam com o cheiro de mijo que envolve todo o quarteirão. Expulso o líquido amarelado e fico embevecido com a sensação de paz que toma conta do meu corpo. Volto à mesa e perco a noção do tempo em minhas idiossincrasias.
Resolvo ir embora, deixo o bar e caminho sem destino pelo bairro que me criou. Já é dia. A paisagem disforme confunde minha visão turva. Não sei exatamente onde estou, não consigo me achar. Meu cérebro é uma bússola desorientada, ouço o barulho infernal dos motores, mas não enxergo os automóveis. Vejo pessoas caminharem pelas ruas, peço ajuda... Elas não respondem, pois não possuem rostos, vejo apenas demônios sugadores de vida. Meu Deus! Muito pó, muito álcool, muita convivência com a mediocridade da raça humana. Não consigo sair do lamaçal que atola e asfixia minha alma.
Giro, tropeço e cambaleio. O mundo parece que vai desabar. Agarro-me a um poste e meu corpo desmorona. Minha face tomba de encontro ao solo e meu vômito inunda o caminho das pessoas que pagam impostos. A sarjeta me coloca a nocaute. Um buraco enorme teima em me sugar para o centro da terra. A queda é eterna e etérea. Sempre sou surpreendido pelos buracos da vida, dominado por minhas emoções, uma ruína sem volta.
Durmo em plena calçada com o cheiro de meu vômito a me embalar numa rede imaginária. Sem referencial, sem paranóia, apenas com a melancolia de ter que ser o que sou.

Conto anterior

Conto anterior

          

Próximo conto

Próximo conto